sexta-feira, 28 de março de 2014

12-- A Primogênita: Alice

11-  A Primogênita: Alice








(Alice, Labib e Renée)
             Nesta luta diária, Alfredo e Sálua foram construindo sua vida. Com muito trabalho, é verdade, mas com o máximo de divertimento que se poderia ter na época.

      Assim, a família foi crescendo: a primeira filha é Alice Luris. O parto  muito rápido. Era a Alice que chegava. Alice que viveria à procura do país das maravilhas. Completa a união de Alfredo e Sálua. Aproxima mais o casal.

      Precoce, aprende as coisas num piscar de olhos. Encanta os pais com sua graça e inteligência, e, muito mimada pela avó Fahda, com quem sempre descobre grandes afinidades, desde cedo já revela seu lado voluntarioso, exigente, caprichoso. Sempre sabe o que quer e como quer. Quando? Já! Difícil domar aquele temperamento. Não que ela não saiba ser doce também. Oh, como sabe! É impossível negar-lhe algum pedido. Aqueles olhos verdes transformavam em escravos  os pais, os parentes  e a criadagem. Suas roupas eram lavadas com capricho e esmero, as blusas brancas, rendadas, perfeitamente lavadas, engomadas e passadas. Se assim não fosse, devolvia à empregada, com um olhar entre repreensivo e magoado. 
     É assim Alice, que sonha com um país das maravilhas.
           



             Alice! Flor delicada e, ao mesmo tempo, vigorosa. Expande no ar um perfume de moça sempre bem cuidada, de banho tomado, de maquiagem suave no rosto, bem vestida, caprichosa nos detalhes. Olhos claros, grandes, esverdeados, limpos, de expressão sincera. Olhos nos olhos de quem com ela fala. Olhos lacrimosos, narrando tristezas e aflições inumeráveis que sofre na vida. Voz de soprano, bem cuidada, modulada, de riso argentino, clássico, um riso que nem de longe resvala na vulgaridade. Um hibisco, galhos frágeis, suportando tempestades. Uma orquídea de cores suaves, sustentada por tronco forte da alma. Qualquer coisa pode derrubá-la, destruí-la. Mas ela sempre se recompõe, sabe-se lá de onde tira essa força, essa energia. Quando se pensa que ela não irá resistir, reassume a vida, descartando as próprias decepções. Traumática, absorvente, ela, como aquela ave decantada em prosa e verso, renasce a cada dia, a cada frustração. Sua alma seria uma colcha de aflições, desgostos, mágoas, com leves cores de alegria, pontos coloridos de esperança    
            É a primogênita da família. Harmoniosa, nos gestos, na figura delgada, na voz sonora e clara. 
           Faz seus primeiros estudos em Piratininga, primeiramente numa escola de educação infantil e, depois,  no Colégio Estadual Eduardo Velho Filho. A paixão por estudos abre-lhe as cortinas do saber. Depois essa paixão se torna a melhor válvula de escape de seus tormentos. No estudo encontra compensação para muitos de seus desgostos, o pior deles o próprio temperamento, inclinado ao perfeccionismo e à depressão. Tudo que fazia tinha a marca da dedicação e do esforço sem medidas. Na escola, era sempre cotada entre as melhores. Em casa, vivia disputando pontos com os irmãos e, principalmente, com a fulgurante Renée.
             Eram famosos em Piratininga os passeios que Alfredo fazia com a família. Iam todos de carro, e ele dirigia pelas ruas esquecidas da pequena cidade e no centro. Havia uma esquina, onde o espaço era bem amplo, uma praça rotatória e Alfredo fazia balão sobre balão, sob os gritos da filharada, que achava o máximo aquela brincadeira. E, numa destas giratórias, no meio das gargalhadas, a porta da frente se abre e Alice cai. A bagunça era tão grande que ninguém se dá conta ao primeiro momento. Logo a resgataram, sob risos e apreensão.
            Depois do primário, Alice e Renée foram completar os estudos em escola da capital, pois Piratininga não possuía curso médio, nem de segundo grau. No Colégio Santana, onde ficou interna por cinco anos, Alice fez a figura da irmã mais velha, sempre às voltas com as peraltices de Renée, todas as semanas chamada à diretoria. E lá ia Alice arrumar um jeito de tirar a irmã dos apuros.
            Frequentemente, os pais iam visitá-las, vencendo horas e horas de viagem em estrada de terra.
            Quando voltavam da capital, as duas irmãs arrasavam com sua beleza, elegância e graça.
            Durante as férias, Alice exercitava-se em seu esporte favorito: a equitação. Era lindo vê-la, com as roupas próprias para equitação: ficava elegante e charmosa com seu culote bem cortado, sua jaqueta justa no corpo bem feito, botas que seu pai mandara fazer-lhe especialmente, luvas para proteger as delicadas mãos das ásperas rédeas, E seu cavalo também tinha cuidados especiais. Sua “selete” (assim Alice narrou) era um mimo. Tudo combinando com a dona. Alfredo mandou fazer botas pra Alice: pretas, marrom e bege. Sempre que chegava  à fazenda,, o Baiano, figura bondosa que enfeitou nossas vidas, ia arrear o cavalo para Alice, pois já sabia de sua paixão por cavalgar. Alice atiçava seu cavalo:
-- Rípin!
E ele obedecia, galopando até a porteira em direção ao cafezal, ou a Piratininga. Alice, quando via seu pai chegar, montada em seu Douradinho, uma mangalarga marrom, com reflexos dourados, de crina bem cuidada, ia, galopando, abrir-lhe as porteiras.
Numa das vezes em que cavalgava seu cavalo,  pela Avenida Rodrigues Alves, em Bauru, o pobre animal escorregou e foi ao chão. Foi um grande susto, Alice machucou o joelho. Por uma graça divina, não quebrou nenhum osso, só ficou uma cicatriz para lembrá-la do ocorrido. O famoso advogado Paulo Vale, cuja casa ficava na Avenida, bem em frente ao acidente, é quem ajudou Alice, neste apuro. Infelizmente, o animal teve que ser sacrificado. Alfredo procurou esconder dela a triste notícia. Alice estava acamada e foi muito mimada nos dias que se seguiram. Era tudo que queria aquela flor melindrosa.

            Lembro-me: eu era criança. Alice, no começo da noite, após o jantar, ia para a sala de música, que, na época chamávamos de escritório, e cantava canções da época, ou árias de óperas famosas, com emoção, numa bela voz de soprano ( Meu céu, meu céu cor de rosa, Tiribiribim, Fascinação). Renée, , a acompanhava ao piano. Mas as duas irmãs, naquela época, de quando em quando, tinham discussões. Uma vez, Renée rasgou uma partitura, olhando desafiadoramente a irmã mais velha. Alice desesperou-se. Chorava e cobrava uma atitude dos pais, que castigassem a irmã que não respeitava suas coisas. Qual não foi a surpresa geral, quando Renée mostrou a composição rasgada: não era da Alice e, sim, aquela partitura pertencia à própria Renée. É! Renée era terrivelmente criativa.  
            Em casa, Alice era uma princesa. Sua única obrigação caseira era fazer a salada, que ela apresentava de um modo decorativo e apetitoso. Era a querida da Sêti, nossa avó. Suas coisas eram sempre especiais. Seu travesseiro, por exemplo, era o mais macio, porque era o único com enchimento de paina. Desde cedo, sua vaidade era notória: seu pechichê era repleto de cremes de beleza para o rosto, para as mãos, para o corpo.


 Suas pernas, até a velhice, eram belas e perfeitas, do que ela muito se orgulhava.. No intuito de fazer graça com os irmãos, costumava subir um pouco a saia, cheia de orgulho e de alegria. E eles não poupavam elogios, em meio a risadas de bom humor..



            Depois do ginásio, Alice iniciou seus estudos no curso Normal em Bauru, no Colégio Guedes de Azevedo. Com quinze anos, foi ao casamento de Elias e Rosa, primos de Sálua, e, durante a festa, conheceu A...,  primo um pouco distante, cujas doces palavras a inebriaram e a conquistaram, infelizmente, para sempre.  E mais feliz ficou Alice, ao saber que A...  não se interessava por Renée, por quem a cidade toda se apaixonava. A...  gostava da Alice. Ela chegara a pensar que seria preterida pela irmã. Mas seu coração pulou de felicidade ao ver que se enganara. As declarações de amor a arrebataram. Nunca mais conseguiria libertar-se desse sortilégio. Um feitiço que a proibiu de ser feliz, para todo o sempre. Guardou no coração as mágicas palavras, a entonação daquela voz insinuante, gravou os olhares persuasivos, cheios de amor. O noivado se desfez, um boato malévolo  os separou. E nesse boato, havia a sombra do R..., que até insinuava coisas  graves. E dizer que o R... era primo e amigo do A... . Sofrimento nos verdes olhos dela, longos dias de dor e solidão. Mas era jovem, os amigos a chamavam à vida.
        Logo conheceu Jorge, que se apaixonou por ela. Era alto, forte, moreno, de feições bem feitas e harmoniosas e cuja família morava em Iacanga. Namoraram dois anos, por aí. Marcaram a data de casamento. Lembro-me dela, nas vésperas do casamento, dizendo que não queria casar-se mais. Ninguém respondeu nada. 

 INSERIR FOTO DO CASAMENTO DE ALICE E JORGE

           
     

 E afinal Alice casou-se com um moço de ótimas qualidades, fazendeiro em Iacanga, Jorge, um rapagão muito bonito, que a olhava como se ela fosse uma aparição, uma deusa. E que coincidência: Alice nascera no dia de São Jorge, 23 de abril.Havia, sim, diferenças entre os dois. Ela sempre estudiosa, fina, educada; amante de leituras,ele, fazendeiro, afeito aos negócios de gado e de terra, de vocabulário desabrido. Entretanto havia entre eles algo maior: uma compreensão da vida e das pessoas. Ele a admirava como alguém superior.. Pode-se dizer que ele beijava o chão que ela pisava. Em compensação, ele a encantava com seus repentes rimados e inspirados. Sabia improvisar versos, como poucos. Um repentista nato. Era meigo e sentimental. E , também, inspirava à esposa admiração pelo caráter e pelo modo inteligente como conduzia seus negócios.        


        Em pouco tempo, a princesa da Cussi Júnior se transformou em excelente dona de casa e esmerada cozinheira. Almoçar num domingo na casa de Jorge e de Alice era presenciar uma mesa farta, com pratos requintados e apetitosos.


       No entanto, nas crises que viviam, Alice se entregava  ao passado. E, nessas horas, a depressão a dominava.
       Sua primeira filha, Lucy Miriam, preencheu seus anseios de mãe e de mãe afortunada. De uma beleza clássica, estonteante, com esplêndidos olhos castanhos, a criança crescia sob um sem número de cuidados da mãe. Eram gemadas, sucos, vitaminas, eram comidas especiais, eram cuidados únicos, prodigalidade nas roupas, atenção na higiene. Afinal, quem com Alice conviveu, pouco que fosse, se lembrará para sempre dos seus desvelos, como mãe, quando as crianças eram pequenas. Ninguém se devotou mais que ela em prol da saúde de seus filhos. José Amir foi o segundo filho e Lilza a terceira.O lar se tornava repleto de cores e de sons. Filhos saudáveis, amados, bem cuidados e devotando aos pais amor e respeito. A vida corria. Crianças, brinquedos, estudos..
      .
            Alice recebia todos os dias a visita de tio Alexandre. Sempre foi muito devotada a esse tio simples e triste. Servia-lhe café, lanche, dava-lhe atenção e carinho. Entre todos nós, filhos de Alfredo e Sálua, foi Alice quem mais deu carinho e consolou tio Alexandre de seus problemas. Sempre foi muito unida à prima Julieta, a filha mais velha dele. Comprava sempre do tio uns fumos de corda, para o  cigarro de palha de Jorge. Assim, ajudava o tio em seu modesto negócio.
            Outra visita diária à casa de Alice era a do R..., aquele parente de coração indecifrável. Acolhia-o com educação, pena e servia-lhe, à tarde, lanches fartos, coloridos, bem providos e bem apresentados. Certa feita, chegando à sala, onde o primo desfrutava das delícias da mesa, apanhou-o difamando seu marido, Jorge. Tomada de indignação, expulsou-o de casa:
            -- Como se atreve a falar mal de quem o acolhe? Como pode denegrir a pessoa que traz pra esta casa o lanche que você está comendo? Como pode ser tão vil? Pode sair imediatamente de minha casa. E não volte nunca mais.
            As coisas ficaram assim por algum tempo, até que Alice, por insistência de Jorge, acabou por perdoar o detrator e ele voltou a frequentar a casa.
            Quando, por um acidente, José Amir ficou cego do olho esquerdo, Alice não mediu esforços pra resguardar o outro olho do filho,viajando a São Paulo, em consultas com médicos renomados. Foram meses, anos de agonia.
           Só o coração de mãe pode imaginar as noites sem dormir, com o espectro da cegueira, assustando-a, apavorando-a. Tudo foi passando e graças a Deus e aos esforços de Alice, José Amir conservou a visão do olho direito.
      Os anos se passaram. José Amir logo ingressou nas lides do pai, tomando gosto pela fazenda e pelo trabalho com o gado. Mocinho, já era o braço direito de Jorge. Não quis continuar os estudos, nem Lucy Miriam. Lilzafoi a que manteve a chama de amor aos estudos. Sempre estava fazendo algum curso. Frequentou aulas em duas faculdades, mas não era o que buscava. passou a procurar curso extras. Arte, Decoração. E, assim, a estrada da vida ia-se alargando.
            A vida da Alice alternava épocas de felicidade e lua-de-mel com Jorge – ela dirigindo o carro para ele, indo à fazenda juntos – ambos, felizes, sorridentes e orgulhosos. E havia fases de brigas e de incompreensão. A esta altura, era muito ruim o relacionamento com seu filho, o que tornava sua vida muito triste. Lucy Miriam se casara com um primo, Humberto, apaixonadíssimo por ela. E a jovem beldade não resistira ao charme, ao entusiasmo e à explosão de vida que eram marcas de Humberto. 
 ( Eu acompanhei o começo do namoro de Humberto e Lucy Míriam. Como ele estava apaixonado! . Todos sabiam que sua tia ricaça, por parte de mãe, lhe destinava um casamento com  herdeira milionária. Humberto trabalhava com esses tios, e estava fazendo um belo pé de meia. Mas quando se apaixonou por Lucy Miriam, abandonou qualquer ambição, desistiu do reino por amor. Disse adeus a São Paulo, disse adeus ao promissor trabalho que tinha, terminou seus estudos de Direito e, a partir dali, dedicou-se à advocacia, com invulgar sucesso.)
            Havia mais um problema no lar: como Alice resolvera voltar a estudar, propondo-se a seguir a carreira de Psicologia, instaurou-se no lar mais um desentendimento. A  mãe, já considerada velha pelos familiares, inicia seus estudos de terceiro grau e não só os conclui, mas os conclui com distinção, como uma das melhores alunas do curso. Seu destino sempre foi estudar.

            Alice era dona de uma perspicácia invejável. Ou melhor dizer: inteligência. Logo depois de ser operada de catarata, em Campinas, Sálua, nossa mãe, começou a queixar-se de dor. Como o olho estava tapado, o médico foi chamado, o insigne Dr. M..., que, retirando o tampão, examinou a vista operada, cuidou com uma pomada e não viu nada de errado. Ele não viu, mas Alice imediatamente observou que havia uma infecção, que, só mais tarde, seria tratada. Aí foi um Deus nos acuda.  Conto esse fato para que percebam como Alice era inteligente e observadora!
            Há certas passagens, que vivi com Alice, de que não me esqueço. Quando éramos pequenas, Norma e eu, quase todas as noites dormíamos com as irmãs mais velhas, que nos paparicavam muito. Em geral, Norma dormia com a esfuziante Renée, e eu, com a mimosa Alice.
            
            Alice e Renée não dormiam no mesmo quarto. Renée dormia num quarto próximo ao de nossos pais e Alice ficava no extremo oposto, perto do fundo do quintal, o único quarto, com duas janelas.
      Alice tinha um jeito materno de tratar  a mim e a Norma
Chamava Norma de Norminha e a mim de Suna.
            As duas irmãs mais velhas sempre resguardaram sua união e amor, apoiando-se reciprocamente, durante toda a vida.
            Alice era um pouco hipocondríaca, sempre estava sentindo algum problema de saúde. Tomava muitos remédios e sempre se sentia a um passo de algum problema sério. Num dia estava desanimada, doente, fraca, acabada. No outro, apresentava-se bela, cuidada, com aquela pele invejável, com o sorriso aberto, de dentes bons, que ela soube conservar com orgulho e dedicação.Em todos os momentos, ela era intensa.
            Nos mil problemas que teve na vida, Alice foi amparada e apoiada sempre pelos pais e pelos  irmãos. Labib enfrentou tudo e todos confortando e apoiando sempre a irmã mais velha.
            Quando Alice saiu de sua casa e foi abrigar-se na casa de nossos pais, houve, em sua família, uma indignação geral. As coisas estavam muito ruins pra ela: brigas, desavenças, discussões sem fim. Era muito doloroso pra nossos pais vê-la sofrendo e estavam prontos para recebê-la. Papai mesmo foi buscá-la. .
         Apenas alguns dias, após a saída de Alice de seu lar, Jorge sofreu uma intervenção cirúrgica, num problema considerado banal, hérnia. Era tão fácil, mas, infelizmente, Jorge veio a falecer. Foi triste demais. Mas, pensando bem, Jorge não conseguiria viver sem ela.

             Passaram-se alguns anos.
            Alice, numa rápida viagem a São Paulo,  encontrou-se casualmente com A.... Aquele amor que estava tão mal resolvido, voltou a fazer parte da vida dos dois. A... não se casara. Alice era viúva. Nada os impedia de recomeçar o romance. Incrível! Tantas décadas distantes e bastou  um encontro pra que eles se sentissem como se nunca tivessem se separado. Os dois davam-se tão bem! Ficaram noivos, com anel de noivado e tudo a que tinham direito.
         Alice era outra com A... : Suave, meiga, doce, confiante. Já preparava o enxoval, com aqueles caprichos todos. A... ofereceu-lhe aplicar o dinheiro de que ela dispunha. Alice não titubeou. Sem receber nenhum papel que comprovasse a transação, efetuou o negócio. Não tinha por que temer. A... era muito inteligente, possuía muitas relações, fora deputado estadual por diversas vezes. Era de total confiança. Infelizmente, coisas do destino de Alice,  A...  ficou muito doente, necessitando de diálise quase toda semana. O noivado continuava seguro. Mas nada está firme frente à morte. A...  acabou falecendo. Só Deus sabe da frustração que se instalou na vida de Alice, da tristeza. E agravadas pelo fato de as irmãs de A...  não devolverem à Alice o dinheiro que estava aplicado com o noivo. Mais uma vicissitude, mais um sofrimento. Os anos seguintes os viveu,  com pouquíssimos recursos. 
                 Graças aos negócios de Jorge, depois de ação judicial, recebeu a parte que lhe cabia no processo e pôde viver melhor. Comprou uma casa que era realmente seu reflexo: bela, repleta de verdes em todos os cantos e, agora, finalmente, com um clima de paz e amor. Nessa época vivia com sua caçula, que, até seu último suspiro, a assistiu em todos os momentos.       
           O tempo não a mudou muito. Tudo tinha que ter a marca de seu gosto, de sua personalidade. Sofria muito com este gênio, que a separava às vezes de quem ela mais amava e por quem era também muito amada. Mas ela não conseguia ser de outro modo. Pois não é isso que as pessoas buscam? Ser do jeito que são? Por isso vivia numa gangorra, entre altos e baixos. Ãs vezes muito e  muito feliz e, outras vezes, muito e muito deprimida. nessa época ninguém falava em personalidade polar. A principal vítima deste seu temperamento era ela mesma. Os filhos já conheciam seus extremos, mas ela não arredava um passo de sua personalidade.
            Alice era de difícil convivência? Muitos assim consideram. Entretanto eu a tenho como uma heroína. Falhas todos temos em nossa vida. Mas o desejo dela, o anseio sempre foi acertar. E acertar com perfeição.  Cuidar de seus filhos à exaustão. Talvez tenha se acostumado a viver nesta gangorra: um dia de bem com um e de mal com outro, no outro dia de bem com  outro e de mal com  um. Paz é uma palavra apenas. Não se consubstancializa no seu dia-a-dia. Alice é uma figura trágica..É uma vítima de seu destino e de suas convicções. Por isso pagou um alto preço, de dias e noites de sofrimentos e de lágrimas. Infelizmente, não conseguiu descobrir que às vezes é melhor engolir um sapo a brigar com alguém. Principalmente se este alguém é sua própria família.
.       Diversas quedas a levaram ao leito, nos últimos meses de vida. Sem opção de mexer-se. Trágico e irremediável. Convém nem falar sobre esses dias tão dolorosos. Lilza , ao seu lado, cuidou dela, assistiu-a em tudo que necessitasse e lhe deu consolação.
         No mesmo mês em que nasceu, Alice abandonou este mundo. Deus a tem e a consola do que viveu na terra. Que lá, enfim, encontre as maravilhas por que tanto sonhou aqui.
         Os sentimentos controvertidos de alegria e de tristeza, de desespero e de fé, de amor e de amargura, de força e de fragilidade, se fundiram na vida de
ALICE.



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