É a vida com vida! Doce figura da família.
Desde que nasceu era o orgulho dos pais, pela beleza, pela alegria, pela
espontaneidade, pelos risos contagiantes. Brincalhona, sorridente e dona de uma
gargalhada pura, de voz quente, que enchia o coração de esperanças de
felicidade.
Como Alice, fez
seus primeiros estudos em Piratininga. Depois, na falta de escolas na pequena
cidade, Alfredo a mandou, com a irmã, para São Paulo, onde ficou interna até o
término do ginásio. Escola de freiras, Santana.
Mas houve uma época em que quis parar de estudar. Por isso
anunciou ao pai que iria ficar em Piratininga e diria adeus à escola. Alfredo
estarrecido ouviu a novidade e pareceu aceitar a decisão da filha.
__Está bem, mas você terá que trabalhar na loja, já que não
quer mais estudar. Vai fazer o caixa,
na Casa Central.
Renée achou que seria a maior moleza. Levaria suas revistas
prediletas, ou alguns livros para passar o tempo, enquanto fazia o caixa da
loja do pai. Adorava ler.
Ledo engano. O trabalho não lhe permitia, de nenhum jeito, ocupar-se de outras coisas. Depois de uma semana de trabalho, não é que Renée reencontrou sua vocação para os estudos? Ai, que saudades dos livros e dos cadernos! Estava farta de fazer contas, dar troco, anotar os débitos na caderneta, e contas e contas! Ai, se errasse um troco... Ah, a escola era bem mais camarada. Pelo menos dava para conversar, soltar umas boas gargalhadas, ler um livro, falar daqueles bacaninhas que viviam arrastando a asa em sua direção. E lá foi Renée continuar seus estudos. Mas sempre naquela malemolência com a escola. Quase toda semana era chamada à direção, ou por deixar de fazer os deveres, ou por conversar e dar risada durante as aulas. Alice era chamada para ficar ciente do comportamento de sua irmã. Com jeitinho, Alice ia achando desculpas para as peraltices de Renée. Era nova, muito alegre, não fazia nada por mal. Eram as saudades dos pais, por isso excedia-se nas brincadeiras. Na verdade, não eram desculpas mentirosas. Renée sentia a falta dos pais, do lar cheio de calor e de carinho. Uma vez, não aguentando as saudades que a torturavam, fez um telefonema para os pais.
Ledo engano. O trabalho não lhe permitia, de nenhum jeito, ocupar-se de outras coisas. Depois de uma semana de trabalho, não é que Renée reencontrou sua vocação para os estudos? Ai, que saudades dos livros e dos cadernos! Estava farta de fazer contas, dar troco, anotar os débitos na caderneta, e contas e contas! Ai, se errasse um troco... Ah, a escola era bem mais camarada. Pelo menos dava para conversar, soltar umas boas gargalhadas, ler um livro, falar daqueles bacaninhas que viviam arrastando a asa em sua direção. E lá foi Renée continuar seus estudos. Mas sempre naquela malemolência com a escola. Quase toda semana era chamada à direção, ou por deixar de fazer os deveres, ou por conversar e dar risada durante as aulas. Alice era chamada para ficar ciente do comportamento de sua irmã. Com jeitinho, Alice ia achando desculpas para as peraltices de Renée. Era nova, muito alegre, não fazia nada por mal. Eram as saudades dos pais, por isso excedia-se nas brincadeiras. Na verdade, não eram desculpas mentirosas. Renée sentia a falta dos pais, do lar cheio de calor e de carinho. Uma vez, não aguentando as saudades que a torturavam, fez um telefonema para os pais.
-- Pai, estou doente, vem me ver, por favor!
Alfredo não pensou duas vezes. Pediu para Sálua arrumar as
malas, que a queridinha estava doente. O que teria a criança adorada? Uma
febre? Gripe? Dor de garganta? Ai, coração! Como conseguiriam conter a
ansiedade, vencendo os quilômetros que os separavam dos braços das filhas? A
estrada de terra era cuidada, mas não permitia nenhum arroubo de velocidade.
Teriam que amargar horas e horas de estrada poeirenta e perigosa, para chegar a
São Paulo. Assim que soube que iriam pra SP, Sálua já arrumou a pequena valise,
tomou as providências necessárias, fez as recomendações às empregadas, que
ficavam com os outros filhos, sob a guarda severa de Dona Fahda.
Alfredo sempre tinha um carro novo, no qual podia confiar.
Assim, ele e Sálua ,de quando em quando, visitavam as meninas no Colégio
Santana, sem preocupações com a mecânica do carro que os levava. Foi assim, com
pensamentos nervosos que enfrentaram as horas no volante, engolindo poeira dos
carros que às vezes os ultrapassavam, o que era raro. Sálua dizia que Alfredo era
o rei da estrada e que ninguém conseguia dirigir melhor e mais rápido que ele.
Ele viajava com o semblante franzido. Que teria Renée? Que
mal seria este que a levara a pedir para eles largarem tudo e todos para
cuidarem dela? Enquanto cogitavam sobre estas coisas, a mão de Alfredo
descansava sempre nos joelhos de Sálua, enquanto com a outra controlava o
volante. Não sabia dirigir de outra maneira. E ela sentava-se bem pertinho
dele, naqueles bancos inteiriços de que eram equipados os carros de
antigamente. Viajassem os dois sozinhos ou acompanhados, o lugar de Sálua era
ali, bem, bem pertinho do amado. E Alfredo dizia que o breque estava ali, nas mãos de Sálua em sua perna.
Finalmente chegaram a SP. Dirigiram-se imediatamente para a escola em que as filhas estavam internas. Oh, a alegria com que se abraçaram. Os braços quentes das filhas, os risos, as lágrimas.
Finalmente chegaram a SP. Dirigiram-se imediatamente para a escola em que as filhas estavam internas. Oh, a alegria com que se abraçaram. Os braços quentes das filhas, os risos, as lágrimas.
-- Renée, o que você tem, querida? Como é que você ficou
doente? Olhavam-na, com amor e desvelo, preocupados com o misterioso mal que
nem de leve a deixava pálida, abatida, ou mal disposta. E ela, toda brejeira:
-- Pai, mãe, estava doente de saudades! Queria vê-los para
apaziguar meu coração. Perdoem minha mentira, pois, se não tivesse falado isto,
vocês não teriam vindo, e eu não aguentava mais sem poder abraçá-los.
Como resistir a uma declaração tão sincera? Que bom que não
havia doença! Que bom Renée estar tão
saudável e bela como sempre. Pediram licença para a diretora e levaram as
belas filhas para passear. Que delícia de dia! Há uma foto em que o pai, ladeado
pelas filhas, faz uma pose, numa das ruas do centro
de SP. Era aquele tempo em que os homens andavam de terno e chapéu e as jovens
exibiam os uniformes das escolas em que estudavam. De saias, naturalmente. Depois
de apreciarem o movimento fascinante da metrópole, dirigiram-se a um bom
restaurante no centro. O almoço foi recheado de risos, alegria e satisfação.
Ainda pegaram um cineminha, paixão de todos da família. Já podiam ficar
sossegados. Nada de mal havia com a filha, a não ser saudade dos pais. Era uma
bênção ter filha tão amorosa!
Depois desta deliciosa visita, Renée sentiu-se de bem com a
vida, com a escola, com os deveres. Logo teriam férias e ela poderia ficar
junto a seus amados pais.
Quando Renée voltava para Piratininga, nas férias, causava
um rebuliço na sociedade local. Os jovenzinhos se degladiavam por ela. Era
linda, a bem da verdade lindíssima, encantadora, cheia de vida e
espontaneidade, a alegria e a juventude jorrando por seus belos e luminosos olhos
castanhos. Quem dela se aproximasse ficava fascinado. Sim, é este o termo:
fascinação. Era a amiga predileta, era a garota do fantástico da época, sem
tirar nenhuma roupa, era a irmã mais divertida, com quem as menores queriam
dormir e os irmãos conversar. Adorável, graciosa, amiga, espirituosa, cheia de
pretendentes, esta era a Renée. Criativa, inventou apelidos charmosos para os
nomes árabes dos irmãos mais velhos: Labib tornou-se Bil e Nassib, Cil; Sônia,
Sô e Norma era Minha.
As serenatas sucediam-se à sua janela.
Um dos admiradores dessa deliciosa criatura, Benjamin
Nasralla, um jovem alto, magro, de excelente família patrícia, levava nas
serenatas que lhe fazia, o irmão Inácio, um dos partidos mais cobiçados de
Bauru. E Inácio era – como não podia deixar de ser - um grande e sincero amigo
de Renée. Os nossos patrícios de Piratininga ficavam um pouco enciumados com o
sucesso que Renée fazia com os rapazes; porque suas irmãs, por mais belas que
fossem, não causavam nenhum estardalhaço junto aos jovens.
Numa destas visitas de Benjamin e Inácio a Renée, um dos despeitados tomou a mão da própria irmã, esquecida pelos moços bauruenses, e pôs-se a elogiar a beleza de sua pele, a delicadeza de seus dedos, a suavidade de suas mãos. O plano não surtiu nenhum efeito e a bela continuou esquecida. O centro das conversas, o paradeiro dos olhares era ela: a fulgurante Renée.
Numa destas visitas de Benjamin e Inácio a Renée, um dos despeitados tomou a mão da própria irmã, esquecida pelos moços bauruenses, e pôs-se a elogiar a beleza de sua pele, a delicadeza de seus dedos, a suavidade de suas mãos. O plano não surtiu nenhum efeito e a bela continuou esquecida. O centro das conversas, o paradeiro dos olhares era ela: a fulgurante Renée.
Quando Alfredo e Sálua se mudaram para Bauru, Alice e Renée
continuaram seus estudos no Colégio Guedes de Azevedo. E Renée começou a
namorar seu contumaz admirador, Benjamin.. Estudaram alguns anos juntos. O amor
crescia entre eles.Tratavam-se por “dear”, “darling”, muito romântico, à moda
de Hollywood. Sei lá por que razão, um dia, desentenderam-se e brigaram.
Romperam o namoro. Naqueles tempos, raríssimos jovens possuíam carro. Benjamin
deve ter gasto uma dúzia de pares de sapatos, de tanto que passou em frente de nossa
casa, à espera de ver Renée. Não afundou a rua porque o amor não tem peso
físico. Só pesa na alma. Como sua alma estava pesada! Ficara sabendo que Renée
estava com um novo pretendente, um tal de Chafik, Chaquib, ou algo similar, de
família patrícia.. Aquilo o deixava maluco. Como poderia perder a luz de sua
vida? E passava em frente à casa da amada, com olhares ansiosos e desesperados.
E Renée aplicando o maior castigo ao Benjamin. O que teria ele feito para
merecer tal tratamento? Eu nunca soube a resposta a esta pergunta.
Não se sabe como Benjamin teve conhecimento de que o rival
iria pedir naquele sábado a mão da Renée. Para tanto, os pais desse
pretendente, adoráveis velhinhos, iriam oficializar o namoro. Não deu outra
coisa: um fato insólito, único, inacreditável! Vamos dizer: novelesco,
romanesco, maluco, mesmo! Benjamin
convenceu seus pais a pedir, no mesmo dia, na mesma hora, a mão de Renée em
casamento. Que cena rocambolesca. Patética. Trágica. Shakespeariana. Clima péssimo. Podem imaginar
o espanto e o desconcerto dos pais de Renée? No fundo, um sentimento de orgulho. Onde mais
haveria uma jovem tão fascinante? Os pais dos noivos se mediam. Cada um
pensava: ”meu filho é melhor”. Cada um julgava: ”sou mais rico.” O pai de
Chakib- Chafik estava numa alegria de dar inveja: ele amara a escolha do filho.
Aquela jovem o conquistara como se fosse sua própria filha. De repente percebe
que há um outro interessado na mão de Renée. Mas só poderia ser assim mesmo,
era uma moça incrível, única. Devia haver mais gente querendo pedi-la em
casamento, pensava o bom velho. Afinal cada pai fez o pedido de noivado.
Alfredo, sabiamente, não quis manifestar nenhuma preferência e passou a decisão
a: Renée. Quem ela aceitaria como noivo? Chafik-Chakib, que se desdobrava em
agrados e gentilezas? Ou seria o atormentado e apaixonado Benjamin, cujos olhos
febris não a abandonavam? Ora, estava namorando Chafik-Chakib, era com ele que
marcara o dia do noivado. E agora se via numa situação anormal, pedida, no
mesmo instante, em casamento por dois homens, por duas famílias. Quem mandou o
Bani pedi-la em casamento? De onde tirara esta idéia de que ela poderia
aceitá-lo? Pois não sabia que ela namorava outro? E os pais dos pretendentes?
Que papelão! E agora ela devia escolher. E, sem hesitar, escolheu o então
namorado. As duas famílias, agora unidas pelo compromisso dos filhos, comemoraram. Os Nasrallas, decepcionados, cumprimentaram os noivos e deixaram a casa dos
Nemes. Chafik-Chakib presenteou a noiva
com um ofuscante anel solitário de diamante.
Não imagino como Renée conseguiu dormir esta noite. O brilho
triste dos olhos de Benjamin rivalizava com o da pedra no dedo da noiva. Mas a
bela não deixou de dar boas gargalhadas em vista do acontecido. Seus pais não
acharam nada engraçados dois pedidos de casamento, no mesmo dia, na mesma hora
a uma única filha. Ficara um desajuste no ar. Um mal estar. Todo mundo com cara
estranha. Menos Renée, lógico, com aquela espontaneidade e beleza esfuziante,
trazendo o calor de seu olhar e de seus gestos, aquecendo qualquer ambiente,
por gélido que fosse.
O noivado ia muito bem, aos olhos de todos. Chafik-Chaquib era dedicado e estava apaixonadíssimo. Morava
numa cidade próxima, o que não o impedia de visitar a noiva amiúde. Era sereno,
calmo, tranquilo. Renée deixava-se amar. Mas sabia que o perigo estava ao lado.
A calçada afundava cada vez mais com as passadas de um certo jovem apaixonado.
Quem disse que Benjamin se conformara? Nunca! Sua paixão por Renée o deixava
com aspecto infeliz. Quem o via passar em frente de casa espantava-se com seu
semblante torturado, seus olhos arregalados, fixos na varanda, onde ele
namorara tantas vezes sua divina Renée. Ele a convenceria de que era o homem de
sua vida. A sua persistência lhe demonstraria a intensidade de seu amor, um
amor eterno, infinito, incomparável.
Assim passaram-se os dias. Os comentários eram sempre os
mesmos. “O Bani está afundando a calçada”. “ Ele está com uma cara...”. Lógico:
cara de dor de amor . Parecia que Renée nem dava bola para estes fatos. Nunca a
ouvi perguntar sobre ele, ou sobre a aparência tenebrosa de sua figura, nem
sobre seus olhares esgazeados dirigidos a nossa casa. Estava noiva e estava
feliz. Assim pensava eu, muito criança para entender as filigranas que bordam o
coração de uma mulher.
Uma manhã, acordei com vozes alteradas, soluços de minha
mãe. Renée fugira com Benjamin. O anel de brilhante? Deixou-o na janela do seu
quarto. Ia embora com Benjamin, seu mais puro brilhante. Este desapego aos
valores materiais marcou sua vida.
Aqueles dias, depois da fuga de amor, foram terríveis. Minha
mãe estava inconformada. Nilce foi acusada injustamente de ajudar Renée na
fuga.
O Sr Alexandre
Nasralla, pai de Benjamin, mandou chamar meus pais. Apesar de contrariados, Alfredo e Sálua compareceram e,
de comum acordo, combinaram o casamento, que seria realizado na casa do noivo. Renée emagrecera demais naquela época.
FOTO DO CASAMENTO DE RENÉE E BENJAMIN
FOTO DO CASAMENTO DE RENÉE E BENJAMIN
Depois do casamento, Bani e Renée foram morar na Fazenda Cachoeirinha, em Tibiriçá, de propriedade de Alexandre Nasralla. Benjamin cuidava da fazenda e com isto mantinham-se bem. Logo Renée engravidou. Benjamin era o mais apaixonado dos maridos. Era Dear pra cá, Darling pra lá. A lua de mel começara bem.
Quando nasceu Ricardo, foi uma alegria geral. O primogênito demonstrava logo inteligência incomum e gênio adorável. Todos nos apaixonamos por ele. Primeiro neto de Alfredo e Sálua. Uma criança maravilhosa! Quando ele vinha em casa, era uma alegria só. Uma vez, Renée teve que viajar com Benjamin e deixou Ricardo em casa. Todo mundo chamando minha mãe de mãe, é natural que ele também adotasse esta denominação para a avó. Quando Renée voltou da viagem, ouviu como Ricardo estava chamando a avó: de mãe. Ah, Renée irrompeu em pranto e, entre soluços, de joelhos diante da criança, explicava dolorosa: “Eu é quem sou sua mãe, Ricardo, eu que sou sua mãe!!” A avó olhava para a filha e, sorrindo pela cena cômico-dramática, murmurou: “Mas que bobinha! É lógico que você é quem é a mãe do Ricardo.”
Na fazenda ainda nasceram Tânia e Sandra,
mais alegria para os pais e famílias. Bani era um pai muito responsável e
trabalhador. Foi uma das melhores fases
da vida de Renée e Benjamin. Quando o Bani e Renée resolveram morar em Bauru, Bani
recebeu pelos anos de trabalho na
fazenda. Na nova vida que se iniciava, comprou um jipe. Com a alegria de
sempre, a família ia buscar--nos, a Norma e a mim, para passearmos, à noite.
Era assim meu cunhado mais querido. Repartia sua alegria conosco. Lembro-me bem
destas noites, passeando pela cidade, com o som de nossas risadas, e os cabelos
de Renée, agitados pelo vento. Como todos éramos felizes! Nada poderia predizer
o sofrimento por que passaria esta família tão amada.
Renée e família foram morar numa casa que pertencia ao
sogro.
A esta altura a família se completara. Alexandre e, dois
anos depois, Renée, nossa Renéezinha, nasceram na rua Gerson França. Todos os
partos de Renée foram normais e realizados em sua própria casa.
Seguiram-se
anos de tormenta e de privações, que Renée administrava com sabedoria e
paciência. Houve uma trégua na época em que tiveram uma loja de caça e pesca, a
Pescaça.
Mas os tempos difíceis voltaram.
As coisas chegaram a um ponto em que Tânia e Sandra pararam
de estudar, por alguns anos.
Quando fui lecionar na escola da Vila Cardia, pensei que elas poderiam
estudar ali. Eram, além de muito inteligentes, bondosas, agradáveis, educadas,
gentis. Garotas que eu amava e sempre amarei. Não mereciam o desgosto de ficarem sem
estudos. Com a maior cara de pau, mas tremendo por dentro, (tinha muito
respeito por meu cunhado e um tantinho de medo) comuniquei ao Benjamin: “As
meninas vão estudar na escola em que leciono”. E antes que ele dissesse não,
completei que eu mesma as levaria e as traria pra casa. Silêncio de
consentimento. Pronto. Nem tinha sido tão difícil assim. Por que é que não
tentara isto antes? Burra! E assim aconteceu. Ia buscar as sobrinhas e juntas
íamos pro Vila Cardia.
As
meninas eram o máximo: bonitas, finas, inteligentes, simpáticas, logo fizeram
mil amizades. Eram competentes mesmo e não eram egoístas. Generosas, ensinavam
aos colegas com dificuldade nos estudos o que lhes parecia tão fácil e a eles
tão difícil. Foi uma nova vida que se iniciou para elas. Vocês já viram flores
fenecendo? Era assim que eu via minhas sobrinhas quando estavam sem escola. E
já viram flores se abrindo? É assim que eu as via agora, abraçadas aos livros.
Estudo é tudo. Apaga qualquer dor. O brilho que a escola devolveu aos olhos
destas garotas iluminou a vida de todos de esperança
Você, que está lendo esta narração, por certo está pensando
que Renée vivia chorando e sofrendo. Pois se engana totalmente. Não sei em que
lugar do coração ela deixava as mágoas e também não sei de onde tirava forças
para ostentar aquele sorriso sincero, de boas vindas a quem chegasse a sua
casa. E ainda assoprava conselhos de amor em meus ouvidos: “Sô, vá dar um
colírio para os olhos”. O que em outras palavras significava que eu deveria
lançar uns olhares para o belo Osvaldo, paixão de minha vida, desde os mais
remotos tempos. Era assim a Renée.
Sua casa era o lar para muitos amigos dos filhos, que ali se sentiam tão bem como se fossem filhos da casa.
Sua casa era o lar para muitos amigos dos filhos, que ali se sentiam tão bem como se fossem filhos da casa.
As garotas se adaptaram tão bem à escola, que, poucos meses
depois, dispensaram minhas caronas. E o Benjamin também se sentia orgulhoso da
performance das filhas. Afinal, ele sempre foi muito inteligente e sabia a
importância do estudo.
Enquanto o drama de Renée era encenado pela vida, sua saúde
sofreu um abalo terrível: Lembrando-se
do querido primo, Feres, médico adorado por toda a colônia, e com quem passara
infância e juventude, resolveu marcar uma consulta com ele, em SP. Para lá foi,
acompanhada de Sandra, que cuidava dela com dedicação total. (Um amor materno
ao contrário: era a filha se desvelando em cuidados mil pela mãe.) Na sala de
recepção, esperou, como todos os outros pacientes. Quando foi chamada, um grande
embaraço se instalou na sala do médico. Ele olhava Renée e não a reconhecia.
Quando, finalmente, viu, naquela mulher sofrida, a prima que encantara todos de sua época por sua beleza, vivacidade e
alegria, caíram nos braços um do outro, aos prantos. Passados estes momentos de
emoção inenarrável, Feres a examinou e fez o diagnóstico: reumatismo e anemia.
Prescreveu-lhe uma dieta rigorosa, rica em proteínas e cálcio, que deveria ser
seguida à risca. Quem conheceu o Feres sabe que ele não brincava nunca, quando
falava de doenças. Era daqueles médicos alarmistas. O paciente saía com as
pernas bambas, porque suas ordens jamais
deveriam ser desobedecidas.
Benjamin concordou com a estadia de Renée
na casa de sua sogra, para o completo tratamento, dado pelo médico. Ele, por
amor, preferia privar-se da companhia
dela para que ela pudesse se tratar convenientemente. Em casa de sua mãe, Renée
não se veria às voltas com seus trabalhos diários de mãe e de dona de casa,
poderia descansar e obedecer aos horários de medicamentos e de refeições. Benjamin foi compreensivo e Ricardo, Tânia, Sandra, Alexandre e Renéezinha,
ainda uma menina, sustentaram a barra. Em um mês, Renée recuperou-se
plenamente. Foram dias muito felizes para mim e para Norma. Tínhamos paixão por
essa irmã . Ajudávamos no que podíamos, mas nossa mãe preferia cuidar
dela pessoalmente, não transferindo a responsabilidade. Não via a hora em que a
filha recuperasse a saúde. Parece doideira, mas a dieta, de que me lembro muito
bem, era: de manhã: uma tigela de leite com pão, antecedida por dois ovos
quentes. Almoço, privilegiando proteínas. À tarde, outra sopinha de leite com pão. E
mais dois ovos quentes. À noite, jantar, sempre dando preferência às proteínas.
E, antes de dormir, mais dois ovos quentes, com outra cumbuquinha de leite e
pão. (Se alguém se lembrar disso, confirme, porque parece um exagero.) Quando
Renée se restabeleceu, voltou para sua casa. Morria de saudade de sua adorável
família, mas também estava com pena de deixar-nos.
A dureza da vida se fazia sentir. Mesmo com todos os
problemas, nem assim os filhos perdiam o respeito pelo pai. Quaisquer outros, nessa situação, teriam experimentado a revolta, ou o desrespeito. Não os filhos de Renée e
Benjamin.
Só Renée pra dar este
presente incomum ao Benjamin: o respeito inquestionável dos filhos. Meus
sobrinhos trataram sempre o pai com
deferência, como um pai herói. Mérito da Renée e do caráter dos filhos. E
mérito de Benjamin, pai carinhoso, amoroso e pai sempre presente.
Um belo, quão belo dia, a vida começou a melhorar. A paz
reinava. Bons ventos de fartura chegaram ao lar da Gerson França. A casa estava
sempre repleta de amigos e de alegria. Uma nova fase acontecia.
Todas as noites iam a nossa casa. Eu os recebia sempre com
uma rotina: o café de boas vindas (ahlusahla) e, depois de horas conversando e
rindo, um de despedida, vai com Deus
(mahssalami ). Numa noite, achei que era
desperdício fazer café de ahlussahla. Sempre coávamos um café um pouco antes da
chegada deles, ( um pouco= umas duas horas antes) e eu servi este mesmo para
Bani e família. Ah, não deu outra: na noite seguinte, quando chegaram, cada
membro da família trazia um cartaz: “Abaixo o café da Sônia! “ “ Vamos tomar
café no bar da esquina! “ E outras pérolas. Ah, eu caí na risada, fui pra
cozinha e fiz um café novo. E a rebelião? Ia ficar barato? Nunquinha!! Sabia que este plano sórdido contra meu café era
do meu mais querido cunhado… Quando preparei a xícara dele, na cozinha, pus
sal, ao invés de açúcar. E lá fui eu servi-los com ar penitente. Servi a todos,
logicamente caprichando na entrega da xícara premiada. Esperei que ele tomasse e se manifestasse. Todos elogiando o café. E
eu de olho na reação dele. O cara de pau tomou a xícara toda sem piscar. Não
aguentei e me denunciei, rindo sem me conter. E ele:
-- Está muito bom! Hahahahá! Nunca me esquecerei da cara impenetrável dele e das gargalhadas que todos demos depois.
-- Está muito bom! Hahahahá! Nunca me esquecerei da cara impenetrável dele e das gargalhadas que todos demos depois.
Benjamin tinha uma camionete, ou carro, não me lembro bem,
e, volta e meia, viajava com Renée, iam a Campinas, onde morava seu irmão
caçula. Numa destas viagens, houve um terrível acidente. Os vidros
estraçalharam-se, e um dos estilhaços alojou-se num dos olhos de Renée. O
veículo ficou todo imprestável. Os cuidados com o olho de Renée a fizeram ir a
Campinas por diversas vezes. Finalmente, ficou tudo bem.
Anos mais tarde, na mesma data de dia e mês, novamente foram
a Campinas. E outro grave acidente ocorreu. Que data terrível!
Renée e Benjamin moraram em diversas casas. Eram amados por
Deus . Em qualquer lugar em que viveu, Renée fazia de sua casa o lar em que
todos nós, parentes e amigos, nos sentíamos aconchegados. Renée, Renée, bem que
nossa mãe cantava: no mundo não há ninguém como você, (Só que esta música era
cantada em árabe e rimava: Rino, Rino, nel báled ma fi mitou).)
Renée foi a única irmã a apoiar o namoro e casamento do
Wilson com Matil. Aliás foi a única que soube que ele iria se casar. E lhe deu todo o apoio. Ela
sempre pôs fé no amor. Quando Ricardo se casou, Zezé estava grávida.
Renée e Benjamin acolheram a novidade com o entusiasmo de quem nascera pra ser
vovô e vovó. Corações de amor!
Quando penso em minha irmã e meu cunhado, vêm-me à cabeça as
palavras de Cristo, na parábola sobre os lírios. Nem Salomão se vestiu melhor
do que estas flores. Deus sempre supriu as frustrações que experimentaram na
vida com uma profusão de amor. Por isso eles brilham tanto e fascinam quem os
conheceu.
Orgulho-me em saber que Tânia se tornou professora, ela,amorosa,
diz que por minha influência. Logo concorreu ao concurso público e foi aprovada:
professora de Inglês, no ensino estadual.
O lar de Renée e Benjamin ia se matizando com cores de felicidade. E
Sandra se tornou psicóloga, competente e admirada. Quando se casou com o Luiz,
amor de sua vida, mudou-se para Santos. Tânia e Sandra foram e são sobrinhas
muito chegadas ao meu coração, por causa da convivência e das afinidades que
nos uniram por toda vida. Renéezinha, meninota ainda, ficava com os menores, e
não havia criança que não a adorasse.
Os filhos de Benjamin e Renée desde cedo mostraram quão
dotados de dons Deus os presenteara, muito inteligentes, comunicativos, com
alta expressão linguística. Sempre conquistaram o respeito da família por suas
qualidades únicas. E o amor que devotam a Renée sublimou-a e sublimou-os.
O mundo ficou muito mais frio quando Renée o abandonou. Até
hoje, passados dezesseis anos de sua morte, me pego querendo conversar com ela,
contar-lhe alguma coisa engraçada, só pra ouvir aquela risada gostosa. E, na
hora da despedida, ouvir sua bênção, com palavras tão sentidas, tão sinceras. Tinha
uma voz quente, clara, macia e uma dicção perfeita. Sua letra era lindíssima.
Escrevia muito bem cartas, sem precisar fazer rascunhos. Guardo com carinho uma
oração que ela me enviou, com um recadinho tão tipicamente Renée. Está na minha
Bíblia.
Amada Renée, você continua viva e maravilhosa na lembrança
de todos com quem conviveu e que a amarão para sempre. Você é a risada mais
quente, o sorriso mais bonito, o olhar mais sincero, a lembrança mais gostosa
de nossas vidas.
Eu a vejo, no séquito de Maria, espalhando alegrias e
graças. E amor.
BENJAMIN
O Benjamin sempre foi o cunhado mais chegado, mais amigo,
mais querido, mais irmão.
Lembro-me dele em todo o tipo de situação:
APAIXONADO: afundando o calçamento, com suas passadas
nervosas, em frente da Cussy Júnior 11-40, no tempo em que estiveram ele e
Renée separados. Olhos fixos na varanda, à espera do olhar cheio de promessas e
de estrelas, pelo qual morria, a olhos vistos.
GENTIL: Darling era o tratamento que reservava à sua amada
Renée. E mais: um beijo quando chegava, um beijo, quando saía.
RESPEITOSO: Hame, Mart-hame, com acento suave, doce, ao
dirigir-se aos sogros
ESFUZIANTE: Dirigindo seu jipe, com a capota arriada, com
sua deusa ao lado, com Tânia ao colo, e Ricardo, Norma e eu atrás. Risadas que
o vento levava, pelas ruas de Bauru.
TEIMOSO: Nas discussões, que sempre redundavam em apostas. O
pior é que ele sempre ganhava. Snif! Perdi uma, na qual ganhei (charada)
GOZADOR: Levando um cartaz, “ Abaixo o café da Sônia” e “
Vamos tomar café no bar da esquina”,
porque eu servira, na véspera o café de ahlaosalla requentado.
IMPAGÁVEL: Impenetrável, invencível: tomando café com sal,
amorosamente preparado por mim, sem que sequer um trejeito, uma piscadela, uma
careta, por pequena que fosse denunciasse a travessura de que era vítima. Assim
tomou até o último gole. Só risadas depois!
DEDICADO: Completamente devotado à sua Renée e aos seus
filhos.
DESAFIADOR: sempre inventava uma aposta, que, lógico,vencia.
A melhor delas eu perdi. E com muito gosto.
ALTRUÍSTA: Nunca ficou em cima do muro: se tinha que ajudar
alguém, o fazia, sem poupar suas posses ou seu tempo.
ROMÂNTICO: Lendo as cartas e bilhetes de Renée para Bâni e
de Bâni para Renée, com voz de açúcar e mel, bilhetes e cartas dourados pelo
tempo, um tesouro do amor que sempre os uniu.
Lá, na morada dos anjos, no céu dos céus, relembrarão as doces palavras trocadas, eternizarão o amor que viveram e que nós, como um favor divino, testemunhamos.