segunda-feira, 24 de novembro de 2014
62 - "Você sabe o que é ter um amor, meu amigo?
62 - Você sabe o que é ter um amor, meu amigo?
Era o velório de meu pai. Minha mãe inconformada, olhos pisados e em cascata de lágrimas. Olhava Alfredo no caixão e relembrava os sessenta anos juntos, num amor que extrapolou todos os sentidos: o físico, o espiritual.
Reviu sua vida. Órfã aos sete anos. Casada aos quatorze. As duas irmãs com domicílio na Argentina. Perdido pela febre tifoide o único irmão, mais novo que ela. Eis o retrato de uma jovem libanesa, imigrante do Brasil.
Alfredo preencheu todos os vácuos de sua vida, ao fazê-la sua esposa. Deu-lhe o companheirismo de irmão, a proteção de pai, a compreensão de mãe, e o amor absoluto de um homem vibrante, eternamente apaixonado.
No lar, a companhia sempre presente da Bíblia, no criado mudo. Uma minibíblia, escrita em árabe. Textos que ela aprendeu a ler no Colégio Americano de Saida, onde, por sete anos, ficara interna. Textos sagrados que ela relia, antes de dormir e lhe davam paz, conforto e esperança.
Alfredo foi tudo pra ela. E ela, pra ele, foi tudo que um tal anjo da guarda predissera, nos sonhos do jovem imigrante.
O choro recrudesceu.
Uma boa amiga tentou consolar.
~~ Calma, Dona Sálua. Ele está no céu.
E, num rompante, por um momento esquecida de suas crenças mais profundas, a revolta rude de Sálua:
-- Não diga bobagem! O céu dele era eu.
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