segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

ARQUIVO AMOROSO :Primos e avós

Nas fotos, alguns dos 26 netos de Alfredo e Sálua e - lógico- alguns momentos dos nossos patriarcas.
Não há nada mais terno ao coração que ver primos que se amam  de verdade.












































segunda-feira, 19 de outubro de 2015

27 - Casa paterna

27 - CASA PATERNA    

     Os anos foram-se passando. 
     Quem chegara, partira: minha avó.
     O quarto que ficara vago foi escolhido pelo Wilson, que tão unido era à sêti.
     Nelson ficou com um quarto só pra si. 
     Nos anos 50, Alfredo resolveu fazer uma reforma drástica na casa. A varanda estreita e comprida, ladeada  do canteiro ao lado, onde floria a Dama da Noite, tornou-se, com o fim dele e da gentil dama, uma varanda grande, espaçosa, um verdadeiro jardim suspenso. Sustentando-a, Alfredo projetou 11 colunas, o número da família: pai, mãe e nove filhos. Sob uma das colunas, Norma escreveu numa folha os nomes dos membros da família, ideia de Alfredo. (Será que, quando demoliram a casa, a folha foi encontrada?

     Outra modificação: as paredes da varanda foram decoradas com azulejos verde-água, dando realce ao piso de cerâmicas vermelhas e amarelas.. Ficou espetacular! Na varanda, havia uma parte descoberta, quadrada, que passava sobre nossa garagem e terminava sobre o muro que nos separava do vizinho. Alfredo pediu autorização para o Sr Luís que a concedeu. Então, à noite, ficávamos na rede, num suporte (que igual nunca mais vi), admirando as estrelas do céu bauruense. Quem já viu esse céu incomparável sabe que é um verdadeiro show.Você distingue não só as estrelas, como também as constelações. Um sonho de cores e de mistérios.

      
      Sálua enfeitou com plantas diversas a grande varanda. Alfredo trouxe da fazenda mudas de samambaias. Elas se desenvolveram tanto, tão magnificamente, que, no comentário de Alfredo, poderiam esconder um homem. Era verde que não acabava mais na imensa varanda, unido ao verde do azulejo

      
     
     Alfredo resolveu derrubar as paredes que separavam o escritório da sala de jantar e assim nasceu uma grande sala com dois ambientes: sala de visitas e sala de jantar.
     A sala anteriormente sala de visitas foi transformada em sala de música e o piano, que já estava ali, ganhou definitivamente seu lugar.
     Outra modificação, projetada anos mais tarde pelo Nassib: o quarto do Wilson, vago, pois já morava em sua casa, transformou-se no banheiro da suíte de meus pais. O quarto deles ficou fantástico: quarto de dormir, quarto de se vestir e banheiro.
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     A copa sempre fora muito grande, não havia o que mudar, a não ser os azulejos nas paredes: escolhido o verde-água também. A cozinha unida a um outro cômodo ficou enorme e abrigou dali pra frente  balcões de mármore, pra dar conforto e espaço a quem  cozinhasse.
     Os quartos não precisaram de mudanças.
     No banheiro, a grande e bem vinda mudança foi a válvula de descarga. Ai, quanto todos nós trabalhamos pra desentupir o vaso! Ufa!  Éramos, praticamente, especialistas no assunto.
     Alfredo, a pedido de Sálua, instalou, adicionada à casa, uma cozinha caipira, com fogão a lenha, e onde, por reminiscência dos áureos tempos do ciclo cafeeiro, ainda, de quando em quando, torrávamos café.  
     O grande abacateiro foi tombado, a contragosto dele, lógico. Muitos homens foram chamados pra ajudar nessa tarefa. Suas raízes pareciam de ferro. Depois de muita força, muita gritaria, o abacateiro se rendeu. Antes Sálua tivera o cuidado de plantar seus caroços, vê-los brotar e, portanto, mandar pra fazenda as pequenas mudas.Aquela espécie maravilhosa não seria extinta. Sem a grande árvore,  o quintal ficou enorme e plano, propiciando um estacionamento pra muitos carros.
      Assim que a reforma terminou, Sálua  plantou dois chapéus de sol, ao lado das garagens cobertas; sibipirunas ao longo do muro entre nossa casa e a do Sr Luís. Uma espatódea, na entrada da cozinha caipira.Em brevíssimo tempo, as árvores se agigantaram, esplêndidas.
   Essa moradia vivia colorida de vida, de luz e de sons. Música de manhã à noite. Fora o piano, alegravam o lar os duetos dos gêmeos, o violão da Norma, os programas musicais de rádio e tv, os discos inumeráveis da discoteca do Labib.
     Enfim, era uma casa ampla, feliz, confortável, hospitaleira, que sempre viverá em nossas memórias. 
     O mágico desse lar: mesmo que agora só exista  no país das lembranças, a casa continua a nos oferecer conforto, beleza,alegria e abrigo.
Casa paterna!

     

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

57 - Nosso primeiro lar: Jacareí



57 - Jacareí

               Desde o nosso noivado, Osvaldo trabalhava na Inquibrás, em Jacareí. Era o gerente, o chefe.  A vida dele era um viajar. Ora estava em Jacareí, ora dormia em São Paulo, ou então, nos fins de semana, me visitando, ficava em Bauru. Havia dias em que ele acordava e precisava de um tempo para saber onde estava. 
       Então, quando nos casamos, mudamos pra Jacareí. 
       Os móveis tinham sido comprados em São Bernardo, em junho, e eram plenamente do nosso agrado. Ficáramos o dia todo em lojas as mais diversas e, só as sete horas da noite, conseguimos encontrar os móveis com que sonháramos. A sala de jantar era de madeira de um marrom claro, a mesa elástica, como sempre quisemos, as cadeiras com estofado de couro, o líving com um sofá de três lugares , outro de dois, uma banqueta quadrada, um queijo, ( isto é, quatro banquetas formando um grande pufe redondo)  tudo estofado em couro marrom, uma mesa de tampo de vidro sobre couro marrom, com uma prateleira embaixo, também de vidro sobre couro. (Ficou tão linda servindo de barzinho de nossas bebidas.)          
       Nosso quarto tinha uma cama ampla, com prateleiras altas, servindo de estante, para livros, revistas e relógio. (A cama ideal pra, depois de dois anos, uma garota chamada Karen subir na estante e se jogar no colchão.)
        Estávamos tão felizes, ao concluirmos a compra! Éramos namorados, ( o azedume do nosso noivado anterior nos blindou contra essa aliança), com data de casório já acertada. Não cabíamos de felicidade. Os móveis eram lindos! Exatamente ou melhores do que sonháramos. Pensando bem, foram os melhores móveis que já tivemos, os mais amados, os mais versáteis.
       Estávamos sem almoço, e eram quase oito horas da noite. Saindo da loja, fomos ao famoso restaurante Floresta e nos deliciamos com o jantar mais feliz de nossas vidas. Era pura alegria! Estávamos cheios de amor e de esperança.
       Osvaldo alugara um apartamento na Avenida Senador Joaquim Miguel, número 177 e o apartamento era o 24, no segundo andar.
       Nosso apê ficava em frente ao nada, e por isso tínhamos total liberdade. Volta e meia, ele cantava: " a peladona do segundo andar". Hahahá, ele é quem era o mais peladão. 
        Da janela da sala, avistávamos um campo verde, largo e longo, e, ao longe, a estrada que conduz  a São José dos Campos. E o céu era esplendoroso de dia ou de noite. 
       Osvaldo chamava Jacareí de a cidade dos quatro bês: bicicleta, buracos, biscoitos e "bernilongos" Ah, esses eram ferozes. 
        Meu amado se mudara pra lá antes de nos casarmos. Primeiro morou num casarão maravilhoso. Depois, encontrou um apartamento, esse mesmo na Senador Joaquim Miguel e voou pra lá. 
       Quando os móveis chegaram, foi ele quem os dispôs nos lugares, com tão bom gosto que assim ficaram por todo o tempo em que moramos ali. Tenho que confessar que meu gosto nem poderia competir com o dele. E eu posso não saber combinar as coisas, mas tenho uma qualidade: tenho consciência do meu gosto esdrúxulo.
       O apartamento tinha três quartos. Um era nosso, com suíte, outro, de hóspedes, e instalamos no terceiro o escritório do Osvaldo. Havia o banheiro social e o banheiro da empregada.
       Quando Karen nascesse, o escritório seria transformado em quarto de nosso bebê. Ele ficava num lugar estratégico. Da escola, eu o avistava e, pela janela aberta ou fechada, sabia se o meu bebê dormia ou acordara.
       A princípio, não queria me remover do Morais Pacheco. mas todos os dias, de manhã. logo depois do banho, em frente ao espelho de minha penteadeira, arrumando-me, via,  lá longe, depois do descampado, uma escola nova, toda pintada de verde claro. Isso todos os dias. Era muita tentação. Inscrevi-me no concurso de remoção e   ... adivinhem: escolhi o Verdinho.
       Assim, logo em 1978, comecei a trabalhar nessa escola que tinha o nome de Esc. Estadual de Primeiro Grau Francisco Feliciano Ferreira da Silva, popularmente chamada Verdinho.
       No primeiro dia em que fui pra escola, na sala dos professores:
       -- Então você é a Sônia Neme, mas que coisa! Você tinha que escolher justamente o Verdinho? 
       Com essas palavras fui recebida pela professora, também de Português, Lindinha ( nunca soube seu verdadeiro nome). E ela continuou, sem notar meu desconsolo:
       -- Quando me inscrevi na remoção -- continuou, peremptória -- perguntei a todo o mundo de Jacareí e de São José se tinham interesse no Verdinho. Eu dava como minha escola. E, na hora, não acreditei que alguém, logo de Bauru, do outro lado do estado, pudesse escolher minha vaga.
       Quem me conhece sabe que nem sei responder. Ouvi e ouvi. " Eu não sei falar, eu não sei dizer, por isso eu escuto..."
       Como se só professoras do pedaço pudessem escolher o Verdinho. Não respondi antes, nem depois. Fico penalizada da esperança que a animava e que ruiu diante da minha escolha. Fiquei bem desconcertada. Mas logo se via que ela era um tanto sem noção. Eu ficara em vigésimo lugar na classificação geral, contados os pontos. E ela em ducentésimo ou tricentésimo e tanto. E o concurso é estadual! Não é regional!
      Pra compensar essas más vindas, de cara fiz amizade com duas professoras, pessoas inigualáveis, que trago no coração Mulheres-modelo, incríveis! Marina, uma dona de casa espetacular, professora de Desenho, profissional irrepreensível. Amiga paro que der e vier. E Ívea, italiana da gema, mas professora de Inglês, bonita, alegre, esfuziante, adoravelmente sincera, espalhando aos quatro ventos o que lhe ia na alma. 
      Quase um ano após chegar a esta cidade, engravidei e fui muito paparicada pelas colegas. Era gravidez de risco, por causa da minha idade. Sim, pessoal, eu estava com 41 anos.E fiquei grávida sem nenhum tratamento. Obra de Deus e de nosso amor. Era risco? Mas nem senti nenhum problema, pois era extremamente cuidada por meu médico, Salim Wheba. E, mais que tudo, eu sempre tive muita saúde, presente de Deus. Nem tonturas, nem hemorragias, nem repousos. Vida absolutamente normal.
        Durante esse tempo, houve um crime hediondo na cidade. Rezei muito, quando soube que uma criança, um menino, sumira. Era filho de professor, que trabalhava num presídio. O desenlace foi terrível e eu, já entrada no sétimo mês de gravidez, chorava no banheiro da escola, com uma dor estranguladora. A partir daí, tomei a decisão de seguir o conselho de minha mãe. "Quando seu bebê nascer,aonde você for, leve-o com você, nem que seja amarrado ao pulso." Bom, era provérbio em versos e em árabe e a tradução deveria ser mais caprichada. Vou tentar:
              "Teu bebê nasceu.
              quando saíres
              leva-o contigo
amarrado ao umbigo"
           Assim, não! Ridículo. 
          Tentando de novo:

          Quando teu bebê chegar, 
          se saíres,
          leva-o contigo
          em todo o lugar". 
          Até que deu. Mas não está fiel ao original:

         

          "Se saíres pra algum lugar,         
           Leva teu bebê contigo,
           mesmo que  tenha 
          de ao seu pulso o amarrar"
(Quase)

          Os meses voaram, mas minha filha queria mais velocidade. E, portanto, nasceu um mês antes do previsto. Lecionei até o dia de seu nascimento.
                   O apê da Senador Joaquim Miguel foi nosso primeiro lar. Ele presenciou o esconde-esconde de que brincávamos quando Osvaldo chegava do trabalho. Ele viu minha surpresa quando, brincando com a Karen de Robin Hood, percebi que ela distinguia as cores. Foi no pátio desse edifício que Karen fez os primeiros amigos, com quem brincava à tarde e à noite. Foi esse apartamento que abrigou o amor da Karen por sua babá, Marilda, predestinada a ser mãe maravilhosa.. Seremos sempre gratos a Deus, que nos reservou tão bons momentos com tantas pessoas incríveis.
        Amei Jacareí, seus lugares, sua gente. Amei nosso apartamento, sua localização, amei  o mercado municipal, pertinho de casa, onde comprava, na companhia de Karen e Marilda, tiquetaques pra enfeitar os cabelos de minha filha, amei o parque, tão próximo, no qual Karen teve lindos momentos, amei auxiliar minha sogra, num momento de doença e depressão. Amei contar com amigas, como Marina, Ívea, Teresa! Amei meus alunos do Verdinho, amei estar casada com um homem inteligente, decidido e generoso. Foi tudo um conto de fadas.

1 - Dedicatória

1 - Dedicatória


      Dedico esse trabalho 
      - a meus pais, meus heróis;
      - à minha filha Karen, que se deliciava com essas histórias com o mesmo deleite com que ouvia as histórias de fada. Foi ela quem pediu que eu escrevesse sobre nossas origens. Como a Karen, seus primos e primas também amam saber detalhes das vidas que começaram num longínquo Líbano e que originaram nossa existência.
      - ao meu marido, sempre uma inspiração
      - aos meus sobrinhos queridos. 
      - aos meus irmãos: nessas páginas,está impresso o amor que por eles sempre senti.
     (Tenho oito irmãos. Cinco já estão no Jardim do Senhor, mas os conservo comigo.
      Como sou a caçula, tenho em mim um pouco de cada um.

      Contagiei-me do amor ao estudo na convivência com Alice.  Às vezes ouço a Alice na minha voz.  
      Sinto viva sensibilidade e capacidade de amor, herança da Renée. Algumas vezes vejo a Renée no meu reflexo.
     A música e a leitura como deleites vêm do Labib, e suas coleções de discos e livros, de que me constituiu sócia.
     De vez em quando, um milésimo do estilo ácido, inesperado e engraçado do Nassib. 
     Da Nilce herdei o desejo de independência. (Gosto de mandar em mim).
     Do Nelson, o entendimento da música como alegria, união e arte.  E do humor como ingrediente fundamental da vida.
     Meus poucos atos de vanguarda vêm do espírito preconizador  do Wilson. 
     Da Norma, os laços de amor. 
    Afinal, sou uma colcha de retalhos. Um mata-borrão)
     Sou ligada a meus pais, ao meu marido, à minha filha, aos meus irmãos, aos meus tios, primos e sobrinhos  pelo sangue, pelas histórias, pelo cerne, pelo amor.
     

quinta-feira, 28 de maio de 2015

46 - Primeira Comunhão


46 - PRIMEIRA COMUNHÃO

          Primeira Comunhão, um dia maravilhoso para nós. Encontrei essas fotos: Labib e Nassib recebendo a Primeira Eucaristia em Piratininga. Norma e eu, em Bauru.


                                                            Labib





                                                    

                                                             Sônia





       
    

quarta-feira, 20 de maio de 2015

56 - Apostas, whiskys, lágrimas e risos




      56 - Apostas, whiskys, lágrimas e celebração 

         Quando Nelson foi nos buscar em Campinas, depois da cirurgia de catarata  bem sucedida em minha mãe, não resisti e contei ao meu irmão que Osvaldo e eu estávamos em conversações sérias. .A reação do Nelson foi incrível. Ergueu o braço pra mostrar como estava arrepiado de emoção e de alegria.
     É.Sempre desconfiei que minha família gostava mais dele que de mim! 
      O Benjamin fez uma aposta comigo: que Osvaldo e eu voltaríamos a namorar em 13 de março. estávamos em janeiro! E eu não via possibilidade de acontecer tal coisa. Tudo andava devagar demais. Uma garrafa de whisky era o valor da aposta. Estávamos em janeiro, ó céus! Muito tempo para tanta ansiedade.
       Janeiro, fevereiro, março. Osvaldo me pôs à prova. Ia a Bauru e só dava o ar da graça  na hora de ir embora para São Paulo. Parava num posto, antes de ganhar a estrada e  telefonava. Lógico que eu ficava com a cara no chão e sentia que os bons fluidos tinham me abandonado. E nem adiantava sapatear de revolta. É, cada vez sentia mais que eu ganharia a aposta com o Benjamin. Muito a contragosto, esclarecendo.

       Dia 13 de março chegou. E incrível! Era ele ao telefone!  Osvaldo me convidou para sair. Pus o vestido mais insinuante e com o qual me sentia irresistível, (era de jérsey, de alças cruzadas nas costas, estampado de verde, borrifei meu perfume predileto, Dioríssimo, cuja fragrância poderia funcionar como uma droga entorpecente, penteada no salão, unhas feitas e brilhantes, maquiada, salto alto, sempre (naquela época) e fui ao seu encontro, com passos firmes e levemente apressados,  disposta a derrubar a muralha da China.
      Estávamos no cinema ao ar livre e , de repente, na dura, ele me declara que  resolvera não reatar o namoro. Toda a minha presunção, toda minha preparação, toda minha ansiedade, minhas ilusões, meus sonhos, tudo ruiu. A muralha era indestrutível, indevassável. Estava blindada no aço da desconfiança e do rancor. Chocada, lágrimas jorraram de meus olhos. Tudo acabado. Nunca mais. Adeus ao amor.A cachoeira salgada teimava em não estancar. De repente, um abraço delicioso e... reatamos. Quem há de entender?
       Depois de alguns minutos, confidenciou-me que não aguentara me ver chorar. A força das lágrimas.  "Lágrimas, estrelas do sofrer,/ Sede benditas!" (Perdão ao poeta). Bom, era uma ótima dica para um futuro a dois. Quando as coisas não saíssem a meu contento, bastaria franzir os olhos, fungar um pouco e ohlala! Tudo bem, vamos ver no ano que vem.

       Marcamos o casamento pra 22 de setembro do ano seguinte.
       Lógico que meu cunhado querido, Benjamin, cobrou a aposta. Ninguém nunca perdeu uma aposta mais feliz que eu! A garrafa sempre foi guardada com zelo pela família. Está lá na casa da Tânia e Sandra, pra lembrar o que passou.
       De posse de sua confidência, feita naquele célebre dia 13 de março, em outras situações em que quis convencê-lo de alguma coisa. punha--me a chorar. Ou porque nunca tive o dom da interpretação teatral, ou porque Osvaldo se tornara mais tarimbado  às minhas lágrimas, nunca mais o venci por esse caminho. Minha estratégia ficou meio manjada. Buaaaaá! 

     O casamento foi na Igreja Santa Teresinha, e o celebrante foi o então Padre Luiz. (Triste a expressão: então padre.) Meu futuro marido estava tão agitado, que tinha posto o terno sem tirar a bermuda. Da minha parte, a coisa não andava mais lógica: na véspera eu colocara o despertador na geladeira e fizera outras ações ilógicas. As famílias, às gargalhadas, nos chamaram à Terra.
       Por incrível que possa parecer, eu, que sempre amara vestido branco, e sempre tinha algum no meu guarda-roupa, na hora de comprar o tecido para o famoso vestido de noiva, só me via com cor azul bebê ou rosa bebê. Pois comprei rosa bebê. Escolhi um modelo de um figurino italiano e amei. Tudo sem rebuscamentos. Uns bordados nas mangas e só. Sem cauda, sem sofisticação, mas de linhas de bom corte. Abigail, obrigada. Ficou lindo meu vestido!
       Quanto às músicas, meu coração queria ouvir na hora agá do casamento O Que Será  de Chico, com Chico e Mílton. Mas a letra enigmática me desconcertou um pouco. Afinal: o que seria O Que Será? De repente O Que Será poderia ser uma definição de um apelo incandescente sexual? Oh, ou, mais romanticamente, umas definições de amor? Analisando verso a verso, cheguei à conclusão que a letra nem de longe lembrava um romance cor de rosa, de M Delly. Na dúvida cruel, embora amasse os versos e a música do Chico,  acabamos por escolher Fascinação, com Elis Regina.  Afinal quería no momento um casamento à moda dos romances Biblioteca das Moças.
 
       Osvaldo e eu, de mãos agarradas e inquietas de tanto nervosismo, apertávamos nossos dedos, para nos infundir calma, mas só tremíamos mais. Só para ter ideia: ficamos cegos a tudo e a todos, só enxergando o Padre Luiz e mal ouvindo suas palavras.Nem vimos nossos padrinhos no altar. 
        Depois ... a festa. Nela o clima físico e psicológico não poderia ser melhor. Entrada da primavera, semblantes faiscantes  de ilusões e de esperanças.


       Às cinco horas da tarde, a casa cheia de amigos e de parentes, com risos e alegria pipocando no ar, partimos.
       Um apartamento em Jacareí, na Avenida Senador Joaquim Miguel, mobiliado com gosto, em estilo moderno e prático, estava à nossa espera.  Osvaldo e eu estávamos  prontos para iniciar nossa vida a dois, prontos para nos dedicar um ao outro, até que a morte nos separasse.Foi com essa intenção que casamos.

terça-feira, 28 de abril de 2015

37 - Meu primeiro soutien



38 - MEU PRIMEIRO SOUTIEN

    

       



          Lembrando a Arminda: foi ela quem fez nossos primeiros soutiens. Até o colegial, Norma e eu usamos estas lingeries artesanais. Lembro-me bem, quando saí com a Mari, minha amiga e colega do Curso Clássico, e a acompanhei em suas compras. Qual não foi meu espanto quando a vi comprar um  soutien pronto, da marca De Millus,  sem sequer experimentá-lo.

        Ó glória! Ó libertação! A liberdade não é azul, nem vermelha. A liberdade é comprar um soutien na loja, sem precisar de prova. Foi magnífica a minha saída com Mari. A descoberta do soutien pronto! A descoberta da beleza! A descoberta da liberdade! E nem contei a ela o meu assombro, naquela tarde, na Rua Batista de Carvalho.  

        É lógico que, a partir daí, adquirindo as peças da famosa marca, Norma e eu começamos a nos achar mais bonitas, encantadoras e atraentes. Duas Vênus! As peças da Arminda, apesar de muito femininas, com lési, bordado inglês, fitinhas, sempre marcavam muito as roupas, principalmente as blusas de ban-lon, que tínhamos, com o maior orgulho. (Conjuntos de ban-lon, de cores lindas e variadas, eram peças twinn, se assim as podemos definir: uma blusa de malha fina de lã, de mangas curtas, por baixo, decote careca e, por cima, da mesma cor, da mesma malha, do mesmo decote careca,um casaquinho abotoado, de mangas longas. Bem bonitinhos!

       Nós também nos sentíamos o máximo com as novas lingéries. Vênus de Millus.

53 - Idas e vindas do amor II


53 - Idas e vindas do amor II

       Em junho, dia 21,1969, ficamos noivos. Nosso namoro era assim: durante a semana, ele trabalhava em São Paulo e eu em Iacanga. Na sexta-feira, à noite, Osvaldo chegava, tarde da noite. Era só o tempo de ficar conversando e rindo na varanda. 
       No sábado, ficávamos juntos, íamos ao cinema. Aos domingos, almoço em casa e despedida. Ele voltava pra capital. Depois do noivado, nossas conversas também abordavam nosso futuro. Ele marcou setembro para nos casarmos. Setembro chegou e foi embora e nada de conversas mais consistentes. Tudo bem. Eu sabia que ele e seus amigos passavam um momento crítico na firma e a coisa estava mais como uma revolução. Não era hora mesmo de assumir compromisso. Assim, mais ou menos, marcamos pro fim do ano. Pois é: o fim do ano acabou e nada mesmo. Uma certa desilusão ia-se apoderando de mim. Não achava nada agradável essa indefinição. E, assim, antes de completarmos um ano de noivado, dei meu basta, sem nem explicar a razão. Assim, ninguém ficou sabendo as causas do rompimento.
       Como nunca quis explicar os motivos, cada um ia imaginando uma coisa diferente. Façam ideia na minha casa, com tantos irmãos, todos amigos e admiradores do Osvaldo, como a coisa ferveu. E na casa dele não era diferente. As causas do fim de nosso noivado eram imaginadas na maior criatividade.
      Seis anos se passaram, nós sem nem sequer nos depararmos um com o outro, era janeiro de 1976. Estávamos meus pais e eu em Campinas, onde minha mãe seria operada de catarata. 
      Nesse meio tempo, Osvaldo saíra com muitas mulheres, foi assediado por tantas garotas e se manteve solteiro. Por minha vez, também namorara um cabeça dura,  e troquei ideias com outros mais. Mas sei lá: nunca me sentia feliz como o fora com Osvaldo.
      Aí, nesse janeiro de 1976, Norma, fazendo a vez de Cupida, ligou paro o Osvaldo e avisou que estávamos em Campinas: que minha mãe, que ele sempre amara, iria ser operada. Depois do choque desse telefonema, que acordou os fantasmas do passado, Osvaldo se comprometeu a nos visitar no Instituto de Olhos Penido Burnier.
       Quando fiquei sabendo das artes da Norma, e que ele viria visitar minha mãe, meu coração pulou de alegria e temor. Não poderia imaginar como é que nos encararíamos, depois daquele noivado desfeito.
        Para conquistar pontos com ele, fui ao mercado comprar frutas, pois sabia que esse era seu alimento favorito.
       Às seis horas mais ou menos, ele chegou. Foi tudo tão normal, como se não tivesse havido esse vácuo de seis anos entre nós. Servi as frutas. Meus pais dormiam. Nós, na salinha ao lado,( o quarto dispunha de uma salinha) conversávamos e ríamos sem parar. Era noite alta e ainda nossos risos incontroláveis poderiam destoar do clima de um hospital. Despediu-se e ficou de voltar na quinta feira.
       Na quarta feira me ligou, dizendo que não iria me ver mais. Que não era criança pra voltar e depois acontecer o desfecho incompreensível. E enquanto ele falava, desenhava num papel. O quê? Um burro. Era assim que ele se sentia só de pensar em voltar a me namorar. Ele guardou o desenho que hoje é guardado por mim.
Desliguei o telefone, num sentimento de impotência. Se era para isso, por que ficáramos tão bem aquela noite? Sem poder ocultar, narrei aos meus pais. Incrivelmente, meu pai me disse:
       -- Se ele não vem, vá você.
       Fiquei atarantada com o conselho, pai incrível o meu! Mas imediatamente achei que era isso que eu queria. Se não era pra voltarmos, paciência, mas eu deveria falar cara a cara com ele.
       Liguei pra ele e avisei. 
       -- Vou pra SP falar com você. Pode me esperar na rodoviária?
       E ele, surpreendentemente:
       -- Eu irei aí na quinta feira.
       A quinta feira chegou e com ela, à noite,  o Osvaldo. Conversamos seriamente e ... nem voltamos, nem terminamos. Quase voltamos. Pelo menos achei que sim, mas não seria tão fácil, como minha simplória filosofia pudesse imaginar.

52 - Idas e vindas do amor I



52 - Idas e vindas do amor I

       Os anos se passaram, terminei a faculdade, continuei a sonhar com o Osvaldo. Sonhei tanto que me apareceu um sósia dele. Namorei durante alguns meses, e ele me esperava na esquina da Gustavo Maciel, embaixo do poste. O Sr Sebastião sempre achou que fosse o Osvaldo. Era parecido não só no físico, como na formação moral. Admirável, também. Eu tinha vinte e dois anos e namorei uns seis meses, sem que trocássemos um beijo sequer. Foi lindo! O desejo de um beijo que não aconteceu haveria de nos acompanhar por muito tempo.  Por que isso? Eu não quis! E por que não quis? Sei lá! Acho que não sabia namorar, não sabia me soltar..
       Era véspera de Natal. 1968. Norma namorava o Said na varanda. Horas antes, eu estivera na varanda, sozinha, e um paquera ficou passando e passando em frente de minha casa, até que parou na esquina. Achei um desaforo. Quem ele pensava que eu fosse, pra parar na esquina? Por acaso pensara que eu iria até lá pra sair com ele? Vã ilusão. Entrei na minha casa, fui pra copa, peguei meu som, que era rádio e toca discos, e fiquei ouvindo a maravilhosa música de Simonal, no disco Alegria, Alegria. Estava eu assim muito bem resolvida e entretida, quando a Norma chegou correndo:
       -- Sônia, o Osvaldo está aí. 
       Levantei-me de um salto e corri a recebê-lo. 
       A varanda ficava a meia luz, recebi-o no alto da escada e até hoje sinto o brilho de seus olhos encontrando-se comigo. Trouxe-me um presente, um perfume fino, Femme, comprado na Mesbla, grande magazine de São Paulo, cidade onde trabalhava, há anos, trouxe-me também sachés perfumados para as gavetas. Para o meu pai, trouxe uma garrafa de vinho. Para minha mãe, um rosário de madeira da Bahia.
       Passou a ceia conosco. 
       A comemoração do Natal , em casa, sempre foi muito simples, e é assim que eu gosto até hoje. Frutas secas, frutas naturais, muita uva, bebidas, castanhas cozidas na hora e sanduíches de presunto e queijo.
       Ficamos à mesa conversando e rindo. Até rolou papo sobre lua de mel em Paris. Por qualquer motivo,  eram risos sobre risos. Alegria, reencontro. Mas não seria pra sempre não. Ainda o destino nos pregaria peças.

51 - Osvaldo


51 - Osvaldo


       Desde o primeiro ano da faculdade, acalentei uma paixão secreta: Osvaldo. Era ele o contador da firma de meus irmãos. Alto, loiro, forte, olhos azuis, voz doce e máscula. Nosso flerte era todo de esquivanças, de  olhares que gritavam, enquanto as bocas se calavam, hermeticamente. Volta e meia o telefone, extensão do da firma ( ah, era o contrário)  tocava, eu corria para atender, na esperança de ouvi-lo. E era.Era ele. Percebia a delicadeza da voz quando ouvia a minha. Uma voz que sorria, uma voz um tanto tímida, embaraçada. Aquele flerte gostoso, que me fazia sonhar, eram meus pensamentos dia e noite.
       Havia um trabalho a fazer em Literatura Portuguesa. Sobre Os Lusíadas. Naquele tempo, era necessário datilografá-lo nas máquinas de escrever (Remington, as mais comuns). E eu não aprendera a datilografar: havia um cem número de coisas  pra que saísse uma página bem feita. Pedi aos irmãos, particularmente ao Nassib, que alguém da firma pudesse datilografar meu trabalho. Bem no fundo, queria , ardia que fosse ele. Sim, quem mais sabia datilografar era ele, o loiro lindo, de estatura dionisíaca, de olhos de anjo.
       Combinamos um dia pra isso. E lá apareceu na Cussi Júnior o homem que seria, vinte e um anos mais tarde, meu marido. Depois dos cumprimentos, cheios de subliminares, comecei a ditar  as páginas. Ele ia datilografando e, nas pausas, pausando seu olhar no meu. Ai! No meio da tarefa, não resisti:
       -- Você tem namorada?
       -- Não! --Respondeu prontamente.
       O trabalho era sobre mitologia nOs Lusíadas. Lógico: sucesso absoluto.
       Passaram-se os dias.
       Uma noite, Norma e eu descemos a Gustavo Maciel, pra irmos ao cinema. Era noite de quermesse. Quando íamos atravessar a Avenida Rodrigues Alves, vi, pelo meio da avenida, que estava interditada aos carros, um casal dirigindo-se à quermesse, que era ali, em frente à Igreja Matriz. Meu coração deu um pulo. Era ele, com o braço direito envolvendo a cintura de uma moça odiosa. O que me fascinou, revoltou, hipnotizou foi a mão dele na cintura dela.
       Não, ele não tinha namorada. Tinha noiva!
       No escurinho do cinema, fiquei chorando.

domingo, 26 de abril de 2015

61 - Filha

61 - Filha, 

     O dia mais completo de minha vida foi o dia em que Karen nasceu. 
     Era uma quinta feira, 21.45h.
     Apressadinha, teve que deixar sua primeira morada um mês antes do previsto.
     O medico pediatra ma trouxe, com olhos brilhando de alegria. Beijei seu pezinho, coisinha mais doce, agradecida a Deus, ao Salim, aos médicos professores, que, chamados na emergência e durante greve dos residentes, se dispuseram a integrar a equipe do colega Salim. E o pediatra - fazia mais de dez anos que não dava plantão - com aquele docinho ao colo, estava eufórico por constatar como o bebê estava bem. minha filha vivera um momento de perigo e de grave perigo! Uma característica bem dela: saber livrar-se das emboscadas e - assim eu presumo - acabar brincando com o cordão umbelical que poderia sufocá-la.  Por isso a euforia da equipe de professores da Paulista, liderados pelo médico genial,  Salim Wheba. 
     Karen chegou, toda cor de rosa e alcançando logo a nota dez, no teste de reações aos estímulos. 
     Quel début!! Foi tudo tão bom,  tão lindo! Você, Osvaldo, tornou-se o assistente do médico neonatologista. Ia, com ele, visitar os outros pacientes. Lembro-me que um casal estava seriamente preocupado com a saúde do bebê. Lembra-se disso, querido? E , na primeira noite, você dormiu no sofá do quarto. Só que nas demais, até o dia 1o de maio, com minha mãe nos paparicando, você dormiu numa poltrona, nada macia. E, finalmente, voltamos para casa, em Jacareí.era dia 1o. de Maio
     E a cada dia, a cada fase da Karen, mais linda e completa ficou nossa vida. 
     O amor e o humor enfeitaram  e basearam nossa  pequena família. 
     Obrigada, Osvaldo, Reencontro  você em nossa filha, em seu comportamento inteligente e sensato, na criação de expedientes que facilitam o dia a dia, no amor à família, na serenidade diante de problemas, no amor e interesse pelas viagens e novidades, na originalidade e criatividade de suas atitudes. Você e ela, tão parecidos!  Exatamente como pedi a Deus, durante a gravidez.
.     A vida segue com sua trajetória nem sempre rósea.
      Karen enfrentou problemas maiores que ela e enfrentou-os, às vezes com lágrimas, o mais das vezes com resoluções bombásticas e intempestivas. 
     Pouco a pouco, foi, num crescendo, emancipando-se  de seus monstros perseguidores.
      Ela é inteligente, objetiva, racional, linda, deliciosa, adorável,intempestiva, surpreendente. Graças a Deus! Nunca saberei sobre ela o suficiente. Ela é um mundo de pensamentos, de aptidões, de interesses. Poderia chamá-la filósofa. Osvaldo, se você visse a quais programas ela assiste, você ficaria espantado. É uma mente que pensa! Como pensa! Eu sou uma simplória perto dela. Minha cabecinha só enxerga o superficial, sem análise. Bem diferente dela.
     O papel de filha como a Karen é ensinar uma mãe como eu. Pois ela tem paciência. Enquanto a maior parte das minhas contemporâneas nem chega perto de computador, ela me ensinou os macetes que podem me divertir ou auxiliar. Uso o computador, manejo meu celular, emprego meu I Pad, leio livros no Kindle, tiro fotos com o celular, escaneio, uso o whatsApp, com uma destreza que causa surpresa, faço meu blog, assisto a séries inteligentes, em tudo recorro a pesquisas no Google, assisto a  filmes maravilhosos (que, por preconceito refugava),  tudo, tudo, porque ela quer que eu me insira na tecnologia e não fique fora desse nosso tempo. Eu, que nunca consegui dar uma aula a ela, sou sua aluna, espero que aplicada.
     Causa um certo  orgulho no coração ver como ela se liga a você. No dia a dia, tenta ser melhor para ser como você. Mas aquele ciúme de quem estava ao seu lado continua. Ouça o que ela escreveu, ao ser alfinetada por alguém que o admirava:"
     "Ele é meu em todas as vidas"
      Quando está numa encruzilhada, Karen sempre se pergunta como você reagiria nessa situação. A partir daí, sela sua atitude. 
     Como você, Osvaldo, nossa filha sempre pensa em que um fato tem dois lados. Isso é muito sensato.Aprendo muito com ela.
     A Karen encontrou seu caminho para a força e a superação. Você, meu querido, lá do alto, sabe dos sacrifícios que a vida lhe impôs e como a amada filha os superou. E não poderia ser de outro modo: Karen herdou de você essa força obstinada de querer ser do bem, do belo, do certo. 
     Formou-se em Marketing  e se opõe à falsidade de seus métodos. No mesmo ano em que concluía seus estudos na ESPM, concluiu também o Curso de Fotografia, na Escola Panamericana de Arte. E aí, sim, seus olhos brilham de amor à arte.Nós estivemos na Panamericana e vimos como as fotos da Karen foram destacados.


   (Minha menina ( para mim sempre menina) de ouro,( sempre preciosa), me aguente e me perdoe as lerdezas.
Vida feliz e realizada,  minha Karen!)
     Além do além, viverá meu amor por vocês.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

50 - Andanças



50 - Andanças

       Depois de Marília e do Morais Pacheco, professora contratada, minha vida foi a de uma andarilha. Trabalhei em Agudos, Pirajuí, Presidente Alves, Bauru, Piratininga e, finalmente aportei, como professora efetiva, em Iacanga, por um ano e meio, para chegar a Bauru, novamente Morais Pacheco.
      Em todos os lugares em que lecionei, fui-me encontrando e encontrando  pessoas maravilhosas, que fincaram bandeira em minha vida. Aquela timidez, que me impedia de ser eu mesma, foi logo sendo sufocada pela responsabilidade de ensinar.  Com a prática, a naturalidade e simplicidade foram ganhando terreno em minha personalidade. A sala de aula me inspirava. Desde o começo, sentia-me no meu ambiente. Aquelas lousas eram minha moldura. Acho que eram as marcas da Irmã Arminda. E, nem sei como, fui me exteriorizando, a ponto de rir com alunos, fazer um pouco de teatro, declamar poesias, improvisar textos engraçados, enfim, eu fui me tornando eu mesma. No início com sacrifícios da alma e do pudor. Lembro-me de um aluno do colegial que ficou encarando meu busto. Aquilo me deu uma raiva tão grande, que, encarando-o de volta, passei-lhe o maior sermão, reduzi-o a um fragmento de gente. Sim, a ira que se apossou de mim sempre voltaria por outros motivos: paciência estourada pela indisciplina, cola, desrespeito. É espantoso notar que nesses arroubos irados, meu vocabulário era estelar, por isso mesmo deixava o infrator completamente derrotado. Só Deus explica!
       Ia para Iacanga todas as manhãs, saindo às seis horas de casa. Em geral, dava carona para alguns colegas. Mas, às vezes, ia sozinha, pois os amigos amiúde faltavam. 
       Eu com o Gordini, cor de chocolate, cor do amor, segundo meu cunhado Jorge, sozinhos na estrada, manhãs maravilhosas, caminho  sossegado, com pouco movimento, aqui e ali despontando uns bosques com árvores. E, num ponto x da estrada, do lado esquerdo, alguns quilômetros antes de Iacanga, uma árvore majestosa, pela qual me apaixonei. Conceição, uma querida aluna, apelidou-a de árvore de Dona Sônia. Aceitei e incorporei-a aos meus mais queridos bens. Acredito que minha paixão por árvores tenha nascido pelas mãos de minha mãe, que as plantava com tanto amor, que em um ano alcançavam altura majestosa.
      O Gordini era cor de chocolate, cor de amor, como definiu meu cunhado saudoso Jorge. Parecia que tinha sentimento. Nunca me deixou na estrada, nunca aconteceu que um pneu furasse no trajeto. Não! Ele arreava no pátio da escola, mostrando a todos porque um de seus pés estava ferido. Aí era incrível. Um dos alunos me procurava em alguma sala, pedia a chave do Gordini, que eu lhe atirava e, uma equipe eficiente não só trocava o pneu, como também se incumbia de mandar consertar o estragado. Quando voltasse pra Bauru, o carro já estaria ok, com o estepe no lugar. Foram anjos em minha vida. Nunca os esquecerei, nem nossas sessões artísticas que movimentavam a escola.
       Encontrei nas classes de Iacanga almas sequiosas por aprender. O clima entre nós era de trabalho fértil, de respeito e amizade. Não me lembro de nenhuma vez em que se queixassem do tamanho dos exercícios para fazer em casa. Nem de que se queixassem de que não entendiam alguma coisa. Ou das leituras extraclasse. E, acabado o período matutino, os alunos voltavam aos seus lares. Mas ... ó surpresa! Depois do almoço, lá estavam eles de novo na escola, como se fosse o segundo lar. 
       Houve um ano em que a escola promoveu uma feira de Ciências, prestigiadíssima pelos iacanguenses. O professor de Artes era muito habilidoso e os alunos, sob sua batuta, inventaram os mais eficientes aparelhos eletrônicos, sobre os temas estudados. Os jogos inventados para avaliar ortografia, sintaxe, conjugação verbal foram um sucesso. Além do que aproveitavam as letras de músicas e poemas pra enfeitar os quadros negros. Ah, e havia, na nossa sala,  fundo musical, com aparelhos e discos que os alunos escolhiam e traziam. A Sala de Português foi das mais visitadas, porque as pessoas se sentiam instigadas a responder aos testes e saber a quantas andava seu estudo de língua pátria.
       Quando houve o Concurso de Remoção, não titubeei. Inscrevi-me, apesar de estar ligada aos meus alunos por laços de amor, respeito e de amizade, que nunca se desfariam.
       Para terem ideia de como eram meus alunos, narro o que vai a seguir: fui nomeada diretora, por motivos muito tristes. Nosso diretor falecera num acidente em Arealva. Como era a única professora efetiva, tive que assumir a diretoria. 
       Foi contratada uma professora substituta para assumir minhas aulas. Numa manhã, em que eu estava às voltas com a papelada administrativa, uma equipe de alunos veio me procurar. Vinham  reclamar da substituta, porque ela não dava aulas e, sim, ficava lendo. Pois era assim meu aluno: ávido por saber.
       Voltando ao Gordini, ele tinha uma neura. À tarde, quando voltávamos pra Bauru, o infeliz se insurgia contra o destino. Aquele ponteirinho que indicava a temperatura da água começava a delirar e a aproximar-se perigosamente do limite em vermelho. Oh! Quantas vezes tive que parar no acostamento para que ele recobrasse a calma. Mas quê! Era só rodar um pouco, que aquela  seta doidivanas se dirigia ao perigo. De repente, não mais que de repente, apareciam no horizonte, os  brancos dos edifícios de Bauru. Milagrosamente, o ponteirinho sofria um baque violento e caía pro normal! Isso todas as tardes, enquanto tive o Gordini.
Entender como?
     Uma coisa deliciosa acontecia nas viagens. Tinha,no carro, meu Blaumpunct ponto verde, um autorrádio incrível. Havia uma emissora que só transmitia músicas e horário. E todos os dias eu ouvia, num feitiço, a voz maravilhosa de Milton, cantando Travessia. Sim! Todos os dias! O produtor do programa gostava tanto da música quanto eu. Eu sentia que aquilo era um sinal de que tudo estava bem, tudo estava no seu lugar.
        Dedico o post aos meus ex-alunos de Iacanga, com quem trabalhei com tanto prazer. E aos meus pais, que esperavam meu retorno do trabalho.
       Ficou a marca sonora no coração.

       Em casa, meus pais esperavam, ansiosos, na sala, por mim. Depois do banho renovador, corria pra junto deles e assistíamos  juntos à novela A Escrava Isaura. Ai, momentos do paraíso! 
        Eu atravessava esses tempos, que não foram de pedra, com essa beleza e essa paz no coração.