quarta-feira, 9 de setembro de 2015

57 - Nosso primeiro lar: Jacareí



57 - Jacareí

               Desde o nosso noivado, Osvaldo trabalhava na Inquibrás, em Jacareí. Era o gerente, o chefe.  A vida dele era um viajar. Ora estava em Jacareí, ora dormia em São Paulo, ou então, nos fins de semana, me visitando, ficava em Bauru. Havia dias em que ele acordava e precisava de um tempo para saber onde estava. 
       Então, quando nos casamos, mudamos pra Jacareí. 
       Os móveis tinham sido comprados em São Bernardo, em junho, e eram plenamente do nosso agrado. Ficáramos o dia todo em lojas as mais diversas e, só as sete horas da noite, conseguimos encontrar os móveis com que sonháramos. A sala de jantar era de madeira de um marrom claro, a mesa elástica, como sempre quisemos, as cadeiras com estofado de couro, o líving com um sofá de três lugares , outro de dois, uma banqueta quadrada, um queijo, ( isto é, quatro banquetas formando um grande pufe redondo)  tudo estofado em couro marrom, uma mesa de tampo de vidro sobre couro marrom, com uma prateleira embaixo, também de vidro sobre couro. (Ficou tão linda servindo de barzinho de nossas bebidas.)          
       Nosso quarto tinha uma cama ampla, com prateleiras altas, servindo de estante, para livros, revistas e relógio. (A cama ideal pra, depois de dois anos, uma garota chamada Karen subir na estante e se jogar no colchão.)
        Estávamos tão felizes, ao concluirmos a compra! Éramos namorados, ( o azedume do nosso noivado anterior nos blindou contra essa aliança), com data de casório já acertada. Não cabíamos de felicidade. Os móveis eram lindos! Exatamente ou melhores do que sonháramos. Pensando bem, foram os melhores móveis que já tivemos, os mais amados, os mais versáteis.
       Estávamos sem almoço, e eram quase oito horas da noite. Saindo da loja, fomos ao famoso restaurante Floresta e nos deliciamos com o jantar mais feliz de nossas vidas. Era pura alegria! Estávamos cheios de amor e de esperança.
       Osvaldo alugara um apartamento na Avenida Senador Joaquim Miguel, número 177 e o apartamento era o 24, no segundo andar.
       Nosso apê ficava em frente ao nada, e por isso tínhamos total liberdade. Volta e meia, ele cantava: " a peladona do segundo andar". Hahahá, ele é quem era o mais peladão. 
        Da janela da sala, avistávamos um campo verde, largo e longo, e, ao longe, a estrada que conduz  a São José dos Campos. E o céu era esplendoroso de dia ou de noite. 
       Osvaldo chamava Jacareí de a cidade dos quatro bês: bicicleta, buracos, biscoitos e "bernilongos" Ah, esses eram ferozes. 
        Meu amado se mudara pra lá antes de nos casarmos. Primeiro morou num casarão maravilhoso. Depois, encontrou um apartamento, esse mesmo na Senador Joaquim Miguel e voou pra lá. 
       Quando os móveis chegaram, foi ele quem os dispôs nos lugares, com tão bom gosto que assim ficaram por todo o tempo em que moramos ali. Tenho que confessar que meu gosto nem poderia competir com o dele. E eu posso não saber combinar as coisas, mas tenho uma qualidade: tenho consciência do meu gosto esdrúxulo.
       O apartamento tinha três quartos. Um era nosso, com suíte, outro, de hóspedes, e instalamos no terceiro o escritório do Osvaldo. Havia o banheiro social e o banheiro da empregada.
       Quando Karen nascesse, o escritório seria transformado em quarto de nosso bebê. Ele ficava num lugar estratégico. Da escola, eu o avistava e, pela janela aberta ou fechada, sabia se o meu bebê dormia ou acordara.
       A princípio, não queria me remover do Morais Pacheco. mas todos os dias, de manhã. logo depois do banho, em frente ao espelho de minha penteadeira, arrumando-me, via,  lá longe, depois do descampado, uma escola nova, toda pintada de verde claro. Isso todos os dias. Era muita tentação. Inscrevi-me no concurso de remoção e   ... adivinhem: escolhi o Verdinho.
       Assim, logo em 1978, comecei a trabalhar nessa escola que tinha o nome de Esc. Estadual de Primeiro Grau Francisco Feliciano Ferreira da Silva, popularmente chamada Verdinho.
       No primeiro dia em que fui pra escola, na sala dos professores:
       -- Então você é a Sônia Neme, mas que coisa! Você tinha que escolher justamente o Verdinho? 
       Com essas palavras fui recebida pela professora, também de Português, Lindinha ( nunca soube seu verdadeiro nome). E ela continuou, sem notar meu desconsolo:
       -- Quando me inscrevi na remoção -- continuou, peremptória -- perguntei a todo o mundo de Jacareí e de São José se tinham interesse no Verdinho. Eu dava como minha escola. E, na hora, não acreditei que alguém, logo de Bauru, do outro lado do estado, pudesse escolher minha vaga.
       Quem me conhece sabe que nem sei responder. Ouvi e ouvi. " Eu não sei falar, eu não sei dizer, por isso eu escuto..."
       Como se só professoras do pedaço pudessem escolher o Verdinho. Não respondi antes, nem depois. Fico penalizada da esperança que a animava e que ruiu diante da minha escolha. Fiquei bem desconcertada. Mas logo se via que ela era um tanto sem noção. Eu ficara em vigésimo lugar na classificação geral, contados os pontos. E ela em ducentésimo ou tricentésimo e tanto. E o concurso é estadual! Não é regional!
      Pra compensar essas más vindas, de cara fiz amizade com duas professoras, pessoas inigualáveis, que trago no coração Mulheres-modelo, incríveis! Marina, uma dona de casa espetacular, professora de Desenho, profissional irrepreensível. Amiga paro que der e vier. E Ívea, italiana da gema, mas professora de Inglês, bonita, alegre, esfuziante, adoravelmente sincera, espalhando aos quatro ventos o que lhe ia na alma. 
      Quase um ano após chegar a esta cidade, engravidei e fui muito paparicada pelas colegas. Era gravidez de risco, por causa da minha idade. Sim, pessoal, eu estava com 41 anos.E fiquei grávida sem nenhum tratamento. Obra de Deus e de nosso amor. Era risco? Mas nem senti nenhum problema, pois era extremamente cuidada por meu médico, Salim Wheba. E, mais que tudo, eu sempre tive muita saúde, presente de Deus. Nem tonturas, nem hemorragias, nem repousos. Vida absolutamente normal.
        Durante esse tempo, houve um crime hediondo na cidade. Rezei muito, quando soube que uma criança, um menino, sumira. Era filho de professor, que trabalhava num presídio. O desenlace foi terrível e eu, já entrada no sétimo mês de gravidez, chorava no banheiro da escola, com uma dor estranguladora. A partir daí, tomei a decisão de seguir o conselho de minha mãe. "Quando seu bebê nascer,aonde você for, leve-o com você, nem que seja amarrado ao pulso." Bom, era provérbio em versos e em árabe e a tradução deveria ser mais caprichada. Vou tentar:
              "Teu bebê nasceu.
              quando saíres
              leva-o contigo
amarrado ao umbigo"
           Assim, não! Ridículo. 
          Tentando de novo:

          Quando teu bebê chegar, 
          se saíres,
          leva-o contigo
          em todo o lugar". 
          Até que deu. Mas não está fiel ao original:

         

          "Se saíres pra algum lugar,         
           Leva teu bebê contigo,
           mesmo que  tenha 
          de ao seu pulso o amarrar"
(Quase)

          Os meses voaram, mas minha filha queria mais velocidade. E, portanto, nasceu um mês antes do previsto. Lecionei até o dia de seu nascimento.
                   O apê da Senador Joaquim Miguel foi nosso primeiro lar. Ele presenciou o esconde-esconde de que brincávamos quando Osvaldo chegava do trabalho. Ele viu minha surpresa quando, brincando com a Karen de Robin Hood, percebi que ela distinguia as cores. Foi no pátio desse edifício que Karen fez os primeiros amigos, com quem brincava à tarde e à noite. Foi esse apartamento que abrigou o amor da Karen por sua babá, Marilda, predestinada a ser mãe maravilhosa.. Seremos sempre gratos a Deus, que nos reservou tão bons momentos com tantas pessoas incríveis.
        Amei Jacareí, seus lugares, sua gente. Amei nosso apartamento, sua localização, amei  o mercado municipal, pertinho de casa, onde comprava, na companhia de Karen e Marilda, tiquetaques pra enfeitar os cabelos de minha filha, amei o parque, tão próximo, no qual Karen teve lindos momentos, amei auxiliar minha sogra, num momento de doença e depressão. Amei contar com amigas, como Marina, Ívea, Teresa! Amei meus alunos do Verdinho, amei estar casada com um homem inteligente, decidido e generoso. Foi tudo um conto de fadas.

1 - Dedicatória

1 - Dedicatória


      Dedico esse trabalho 
      - a meus pais, meus heróis;
      - à minha filha Karen, que se deliciava com essas histórias com o mesmo deleite com que ouvia as histórias de fada. Foi ela quem pediu que eu escrevesse sobre nossas origens. Como a Karen, seus primos e primas também amam saber detalhes das vidas que começaram num longínquo Líbano e que originaram nossa existência.
      - ao meu marido, sempre uma inspiração
      - aos meus sobrinhos queridos. 
      - aos meus irmãos: nessas páginas,está impresso o amor que por eles sempre senti.
     (Tenho oito irmãos. Cinco já estão no Jardim do Senhor, mas os conservo comigo.
      Como sou a caçula, tenho em mim um pouco de cada um.

      Contagiei-me do amor ao estudo na convivência com Alice.  Às vezes ouço a Alice na minha voz.  
      Sinto viva sensibilidade e capacidade de amor, herança da Renée. Algumas vezes vejo a Renée no meu reflexo.
     A música e a leitura como deleites vêm do Labib, e suas coleções de discos e livros, de que me constituiu sócia.
     De vez em quando, um milésimo do estilo ácido, inesperado e engraçado do Nassib. 
     Da Nilce herdei o desejo de independência. (Gosto de mandar em mim).
     Do Nelson, o entendimento da música como alegria, união e arte.  E do humor como ingrediente fundamental da vida.
     Meus poucos atos de vanguarda vêm do espírito preconizador  do Wilson. 
     Da Norma, os laços de amor. 
    Afinal, sou uma colcha de retalhos. Um mata-borrão)
     Sou ligada a meus pais, ao meu marido, à minha filha, aos meus irmãos, aos meus tios, primos e sobrinhos  pelo sangue, pelas histórias, pelo cerne, pelo amor.