Wilson era, em muitos pontos, parecido com a Nilce: adorava cães, animais, aves. Indomável, independente, insubmisso. Enfim, um livre! Só odiava gatos, (daí o apelido
(Mata-Gato), e corujas. Se via algum animalzinho, ou cão, ou passarinho
mancando, pegava-o com delicadeza, sentava-se no chão, fazia-lhe uma tala na
perninha ou na asa ferida, amarrava-a
com cuidado e deixava-o ir embora. Os cães o seguiam como a um deus.
Sempre foi um libertário, revoltado contra imposições. Não aceitava
ordens de ninguém, nem de pessoas, nem de modismos de sociedade. Era espiritualista, tinha poder mental. Curava minhas
raríssimas dores de cabeça, com um toque e uma prece. Nossa família sempre foi
católica. E o Wilson, jovem ainda, encontrou um outro caminho para Deus. Não
sei se alguém o levou ao espiritismo, ou se ele descobriu essa opção sozinho, só sei
que foi bom para ele e para nós. Pelo que conheço dele, achou o caminho sozinho.
Wilson, na juventude, adorava mulheres: não importasse a cor. Loiras, mulatas,
morenas, negras ou ruivas. Como Vinicius, sabia reconhecer a feminilidade delas e as
encantava com seu jeito direto e simples, muito brincalhão e sorridente, além de seduzir com seus olhos verdes, expressivos e sinceros. (Esses olhos verdes não eram de traição, não! Não acreditem no fado!)
O Ito era orgulhoso demais. Tinha temperamento forte, mandão, urgente. O que pedia tinha que ser feito na hora. O que mais o caracterizava era a sinceridade, a valentia e a coragem. Não tinha medo de nada. Nem de ninguém. Nem da doença, nem da morte.
Wilson era um predestinado:a ser porta voz de minorias: até a canção predileta, que cantava sob o chuveiro, ou aos domingos, após o almoço, era Angelitos Negros. Quem conhece a letra, já vê que ele era o cara. Solidário, justo, honesto, verdadeiro.
3- E nestes anos doidos, quem usava camiseta hering, ostentando o físico perfeito? Só ele, Wilson, sem medo de ser feliz. Lembro-me muito bem que se consideravam cafajestes os moços que se exibiam com as camisetas hering. E eram sempre de classes trabalhadoras braçais. Mas ele nem ligava para os nossos preconceitos. .
Fora que se comportava mesmo como um cafajeste, dançando agarrado e se divertindo muito, namorando uma e já almejando outra. Quem quiser saber o que é um cafajeste, veja o clipe:
https://www.youtube.com/watch?v=4GnnRiezYd8, com Thaeme e Thiago
4- Outra coisa: Não me lembro de ninguém de nossas relações que cultuasse o corpo. Wilson fazia musculação e seu corpo era perfeito, braços, cujos músculos fortes e desenvolvidos lhe obedeciam e subiam ou desciam. Os músculos do abdome também: para cima, para baixo. E, naquela época, ele antecipou a barriga de tanquinho. E no braço de ferro era invencível. A gente olhava aquilo perplexa. Hoje, ele, Ito, poderia ser um esplêndido personal trainer. Ou seguir estas carreiras glamourosas de aventureiros, porque coragem era seu forte. Hoje poderia ser tanta coisa! E nos deixou cedo demais.
Wilson tinha amigos os mais disparatados e diversos: pobres, ricos, sábios e loucos. Seus amigos eram
de classe alta, média ou pobre. Eram brancos, pretos, ou o que fosse. Ah, ele nunca teve nenhum preconceito. Tinha alguns amigos como ele, que não se encaixavam
muito bem naquele momento histórico. Eram os estranhos no ninho. Wilson e Emir,
filho de um alfaiate famoso de Bauru, eram farinha do mesmo saco, vivendo e mantendo-se
independentes, com trocas de objetos, que eles chamavam de rolo. Nunca compravam uma coisa, trocavam algo
por ela.
Aquele modo de vida nos parecia terrível, até o dia em que fomos assistir a um filme, com Debbie Reynolds, se muito me engano, em que o pai da heroína nem poderia ser autuado pelo IR, porque tudo que tinha era adquirido por troca com outro objeto. A partir daí, passei a admirar mais meu irmão. Os negócios de Wilson e de Emir já tinham até servido de tema de filmes!! Jarbas também era do trio, mas escolheu um futuro mais acomodado que o dos amigos: Pedagogia. Mas quem os conheceu, sabia que os três eram diferentes: não viam a vida pelo prisma das pessoas comuns. Enfim, estranhos no ninho. Não queriam seguir o que fosse determinado pelos mais velhos. Eram indômitos, orgulhosos, felizes e infelizes. Não chega a ser muito estranho que os três morressem mais cedo?.
Norma e eu não conseguíamos entender o sucesso do Ito: as mais entojadas e frescas meninas ricas da cidade eram superamigas dele. Wilson passava, com seus carros velhos, pela casa delas, convidava-as pra passear e elas, para espanto geral - tão diferentes eram dele - iam ao seu encontro correndo, e rindo de felicidade Pois era assim mesmo. Wilson conseguia ser amigo de pobres e de ricos, de gente esnobada e de gente simples. Ele os entendia a todos. E todos o entendiam: um moço original e livre, livre de imposições ou de preconceitos.
Wilson era alegre, jovial, esportivo. Nadava, jogava tênis , jogava xadrez e, em todas essas modalidades, conquistava prêmios, taças e medalhas. No xadrez, deixou um nome brilhante.
Nos bailes, era um pé de valsa, mas gostava mesmo é de dançar gafieira! (Ai, olha só o brilho do cafajeste. Pra nós, cafajeste era o mulherengo, de atitudes em desacordo com o código social, olhar atrevido, roupas e gestos chamativos, nada a ver com a definição de Aurélio.) Sempre havia as parceiras perfeitas pra essas danças sensuais. Era mais ou menos um escândalo, aos olhos da sociedade careta. Mas ~lógico - havia imitadores, aos montes! E haja exibição!! Hahahá! Que noites no Tênis Clube!
Todos nos preocupávamos muito com isso.
. Wilson, um dia, viu uma jovem loira, de aspecto angelical e apaixonou-se. De cara! E para sempre. Adeus, garotas de programa, adeus, amantes! Wilson estava apaixonado perdidamente. Ficou endoidecido por ela e montou guarda na esquina de sua casa. Não sairia dali enquanto ela não lhe desse uma chance. O nome dela era N. O Ito ficou meses naquela vida de esquina só pra vê-la. Nós, em casa, começamos a chamá-lo de Esquininha, apelido dado por Nassib, o que rendia gargalhadas de todos nós e um sorriso superior do enamorado. E ele montando guarda na esquina da casa de N.. Mas eis quê!!! Sua persistência valeu o começo de um namoro, que o tornou melhor e mais, muito mais feliz. Namoraram por dois ou três anos. Ela frequentava nossa casa e todos lhe queriam muito bem. Era uma garota doce, ajuizada, ideal pro Wilson. Infelizmente, um dia houve a ruptura deste namoro, e a Beatriz de nosso Dante acabou por se casar com outro. Quando soube que N ficara noiva, se sofreu, ninguém soube.
Porque àquela altura, já estava encantado por uma jovem, de origem japonesa, Matil, que fora educada pela mais famosa família de professores de Bauru. E com essa jovem não teve dúvidas em dar aquele passo, que, com a outra, tanto temera: noivou e casou. .Aquele amor que parecia eterno, do nosso Esquininha, transformou-se em eterna amizade. Estava pronto e amadurecido para um grande amor, pronto para formar uma família. Casou-se com Matil, quase em segredo. Ninguém de casa foi comunicado. Só a Renée e família sabiam do enlace. Renée, sempre com seus braços acolhedores.
O Ito era orgulhoso demais. Tinha temperamento forte, mandão, urgente. O que pedia tinha que ser feito na hora. O que mais o caracterizava era a sinceridade, a valentia e a coragem. Não tinha medo de nada. Nem de ninguém. Nem da doença, nem da morte.
Wilson era um predestinado:a ser porta voz de minorias: até a canção predileta, que cantava sob o chuveiro, ou aos domingos, após o almoço, era Angelitos Negros. Quem conhece a letra, já vê que ele era o cara. Solidário, justo, honesto, verdadeiro.
Seu
jeito de ser era extravagante para os olhos da época. Mas vejo agora como ele
foi um precursor! Um pioneiro. Querem ver?
1- Naquela época, ninguém saía de casa antes de casar. Pois o Wilson comprou sua casa e pra lá se mudou, bem solteiro. Um pioneiro, não falo isso?
2- Nos anos cinquenta, ninguém da sociedade usava havaianas.
Só as pessoas de classes humildes as utilizavam. Pois o Wilson viu logo o que
todos sabem hoje: que não há nada que se compare ao conforto que esses chinelos
oferecem. E ele andava em qualquer lugar, com as havaianas. Não me lembro de
ninguém, de nossa roda, que as usasse. Talvez o Emir, um atípico, como ele. 1- Naquela época, ninguém saía de casa antes de casar. Pois o Wilson comprou sua casa e pra lá se mudou, bem solteiro. Um pioneiro, não falo isso?
3- E nestes anos doidos, quem usava camiseta hering, ostentando o físico perfeito? Só ele, Wilson, sem medo de ser feliz. Lembro-me muito bem que se consideravam cafajestes os moços que se exibiam com as camisetas hering. E eram sempre de classes trabalhadoras braçais. Mas ele nem ligava para os nossos preconceitos. .
Fora que se comportava mesmo como um cafajeste, dançando agarrado e se divertindo muito, namorando uma e já almejando outra. Quem quiser saber o que é um cafajeste, veja o clipe:
https://www.youtube.com/watch?v=4GnnRiezYd8, com Thaeme e Thiago
4- Outra coisa: Não me lembro de ninguém de nossas relações que cultuasse o corpo. Wilson fazia musculação e seu corpo era perfeito, braços, cujos músculos fortes e desenvolvidos lhe obedeciam e subiam ou desciam. Os músculos do abdome também: para cima, para baixo. E, naquela época, ele antecipou a barriga de tanquinho. E no braço de ferro era invencível. A gente olhava aquilo perplexa. Hoje, ele, Ito, poderia ser um esplêndido personal trainer. Ou seguir estas carreiras glamourosas de aventureiros, porque coragem era seu forte. Hoje poderia ser tanta coisa! E nos deixou cedo demais.
Aquele modo de vida nos parecia terrível, até o dia em que fomos assistir a um filme, com Debbie Reynolds, se muito me engano, em que o pai da heroína nem poderia ser autuado pelo IR, porque tudo que tinha era adquirido por troca com outro objeto. A partir daí, passei a admirar mais meu irmão. Os negócios de Wilson e de Emir já tinham até servido de tema de filmes!! Jarbas também era do trio, mas escolheu um futuro mais acomodado que o dos amigos: Pedagogia. Mas quem os conheceu, sabia que os três eram diferentes: não viam a vida pelo prisma das pessoas comuns. Enfim, estranhos no ninho. Não queriam seguir o que fosse determinado pelos mais velhos. Eram indômitos, orgulhosos, felizes e infelizes. Não chega a ser muito estranho que os três morressem mais cedo?.
Norma e eu não conseguíamos entender o sucesso do Ito: as mais entojadas e frescas meninas ricas da cidade eram superamigas dele. Wilson passava, com seus carros velhos, pela casa delas, convidava-as pra passear e elas, para espanto geral - tão diferentes eram dele - iam ao seu encontro correndo, e rindo de felicidade Pois era assim mesmo. Wilson conseguia ser amigo de pobres e de ricos, de gente esnobada e de gente simples. Ele os entendia a todos. E todos o entendiam: um moço original e livre, livre de imposições ou de preconceitos.
Wilson era alegre, jovial, esportivo. Nadava, jogava tênis , jogava xadrez e, em todas essas modalidades, conquistava prêmios, taças e medalhas. No xadrez, deixou um nome brilhante.
Nos bailes, era um pé de valsa, mas gostava mesmo é de dançar gafieira! (Ai, olha só o brilho do cafajeste. Pra nós, cafajeste era o mulherengo, de atitudes em desacordo com o código social, olhar atrevido, roupas e gestos chamativos, nada a ver com a definição de Aurélio.) Sempre havia as parceiras perfeitas pra essas danças sensuais. Era mais ou menos um escândalo, aos olhos da sociedade careta. Mas ~lógico - havia imitadores, aos montes! E haja exibição!! Hahahá! Que noites no Tênis Clube!
Uma vez, fui ao Tênis Clube,
com minhas amigas, Júlia, Jussemy, Mari e L, esta com seu irmão.
Na hora de pagar a conta, o desavisado irmão de L resolveu, com garbo,
saldá-la. Ah, ele não conhecia o Ito, que chegara um pouco depois da conta ser
entregue, e não percebera estes fatos. Vai daí que o Ito chama o garçom e pede
a conta, ao que lhe responde o embasbacado garçom que a conta já havia sido
paga. Ora! Onde já se viu querer pagar a conta pela segunda vez! Mas ele não
conhecia o Ito. Meu irmão olhou ofendidíssimo para o gajo atrevido que
antecipara o pagamento e propôs pagar-lhe o total, porque a obrigação era dele,
era ele meu irmão. Não passou pela cabeça do Ito que o .R era irmão da
L Mas a coisa não ficou na maciota, não. O Ito logo se exaltou, e, com
aquele físico famoso, já se preparava para tirar o paletó ! Já viram com quais intenções! Conseguimos pôr água fria naquela fervura , o Ito ressarciu o pagamento e
fomos pra casa, Era assim o Ito. Imaginem
quantas brigas ele e o Nelson não arrumaram, na infância e na juventude.
5- Wilson,
à noite, depois das baladas de então, ia pra cozinha e preparava um molho de
tomates, tão bem temperado, que o cheiro ia acordando um a um de nós. Fritava
ovos e os regava com aquele molho olímpico. O Ito era tão bom, tão sem egoísmo,
que ia batendo nas portas dos quartos dos irmãos e chamando-nos com o convite
de saborear o que preparara. Taí. Mais uma profissão que lhe caberia hoje:
tocar uma lanchonete, ou sei lá.
Três vezes Wilson foi mordido por cachorro com a doença da hidrofobia. Eram cachorros de casa, mesmo. Só que o Wilson não acreditava que pudessem estar doentes e sempre tentava dar-lhes comida e água. As coisas, lógico, fugiam do controle e a doença o contagiava. O médico que aplicava as injeções no Wilson era muito amigo da família. E, no baile de minha formatura de faculdade, o Wilson, dançando comigo, encontrava no salão, o médico que o livrara do perigo. E o cumprimento dos dois era:
-- Auau!
-- Auauau!
Hahahá!
Mas orgulho-me de lembrar que, quando brigávamos, na juventude, durante o dia-- por razões que nem ficaram na lembrança -- à noite, já fazíamos as pazes. E, antes de dormir, encontrava sob o travesseiro um bilhetinho pedindo desculpas. Assinado: Wilson. Incrível e indomável irmão! Numa de suas raras viagens a São Paulo, foi pra mim que trouxe um presente: um disco de música clássica, com o lindo título em vermelho: “O Coração do Concerto”. Ele, que, assim me parecia - vejam como me enganei! - nem dava bola pro meu piano. Ah!
Wilson, por seu temperamento fogoso, teve muitas namoradas e até amantes..Três vezes Wilson foi mordido por cachorro com a doença da hidrofobia. Eram cachorros de casa, mesmo. Só que o Wilson não acreditava que pudessem estar doentes e sempre tentava dar-lhes comida e água. As coisas, lógico, fugiam do controle e a doença o contagiava. O médico que aplicava as injeções no Wilson era muito amigo da família. E, no baile de minha formatura de faculdade, o Wilson, dançando comigo, encontrava no salão, o médico que o livrara do perigo. E o cumprimento dos dois era:
-- Auau!
-- Auauau!
Hahahá!
Mas orgulho-me de lembrar que, quando brigávamos, na juventude, durante o dia-- por razões que nem ficaram na lembrança -- à noite, já fazíamos as pazes. E, antes de dormir, encontrava sob o travesseiro um bilhetinho pedindo desculpas. Assinado: Wilson. Incrível e indomável irmão! Numa de suas raras viagens a São Paulo, foi pra mim que trouxe um presente: um disco de música clássica, com o lindo título em vermelho: “O Coração do Concerto”. Ele, que, assim me parecia - vejam como me enganei! - nem dava bola pro meu piano. Ah!
Todos nos preocupávamos muito com isso.
. Wilson, um dia, viu uma jovem loira, de aspecto angelical e apaixonou-se. De cara! E para sempre. Adeus, garotas de programa, adeus, amantes! Wilson estava apaixonado perdidamente. Ficou endoidecido por ela e montou guarda na esquina de sua casa. Não sairia dali enquanto ela não lhe desse uma chance. O nome dela era N. O Ito ficou meses naquela vida de esquina só pra vê-la. Nós, em casa, começamos a chamá-lo de Esquininha, apelido dado por Nassib, o que rendia gargalhadas de todos nós e um sorriso superior do enamorado. E ele montando guarda na esquina da casa de N.. Mas eis quê!!! Sua persistência valeu o começo de um namoro, que o tornou melhor e mais, muito mais feliz. Namoraram por dois ou três anos. Ela frequentava nossa casa e todos lhe queriam muito bem. Era uma garota doce, ajuizada, ideal pro Wilson. Infelizmente, um dia houve a ruptura deste namoro, e a Beatriz de nosso Dante acabou por se casar com outro. Quando soube que N ficara noiva, se sofreu, ninguém soube.
Porque àquela altura, já estava encantado por uma jovem, de origem japonesa, Matil, que fora educada pela mais famosa família de professores de Bauru. E com essa jovem não teve dúvidas em dar aquele passo, que, com a outra, tanto temera: noivou e casou. .Aquele amor que parecia eterno, do nosso Esquininha, transformou-se em eterna amizade. Estava pronto e amadurecido para um grande amor, pronto para formar uma família. Casou-se com Matil, quase em segredo. Ninguém de casa foi comunicado. Só a Renée e família sabiam do enlace. Renée, sempre com seus braços acolhedores.
O começo de vida do casal foi muito feliz. Matil sempre uma companheira disposta e alegre. Ela dava-lhe a segurança de uma esposa calma, prendada, inteligente, delicada. Portanto, escolheu a pessoa certa para seu gênio indócil e independente.
Matil e Wílson tiveram três filhos. Em sua vida, como marido e pai, foi sempre dedicado. Sempre com aquele tipo de profissão: troca de coisas por outras. Isto não lhe dava muita tranquilidade financeira.
Matil e Wílson tiveram três filhos. Em sua vida, como marido e pai, foi sempre dedicado. Sempre com aquele tipo de profissão: troca de coisas por outras. Isto não lhe dava muita tranquilidade financeira.
Mas, mesmo com seus rolos, Wilson, depois de casado, dava à família toda a segurança de um lar provido. Nunca pediu nada a ninguém. Ele sempre se bastou.
Wilson e Matil tiveram três filhos, perfeitos, graças a Deus: Stella, Yolande, (a Landinha), e o Júnior, que, como o pai, se destaca no jogo de xadrez.. Eles vencerão na vida com a força de sua herança genética: garra
do pai e versatilidade da mãe.
Depois de alguns anos de casados, quando Ito e Matil já tinham seus filhos, Wilson levou um choque, quando mexia numa antena de televisão. A partir daí, seu corpo foi enfraquecendo, seus músculos se deteriorando, até o momento terrível dos seus últimos meses de vida, em que só mexia os olhos. E com os olhos ele se comunicava. Ai! a dor de ver que o que ele fizera de melhor, a educação de seu corpo à perfeição, esboroava-se a olhos vistos. Um consolo: a lucidez ele manteve sempre.
Uma vez, nós o levamos a Ribeirão Preto: Labib, Nassib, Humberto, Wílson e eu. O médico examinou o Wilson e começou a dar o diagnóstico terrível, como se o paciente não o estivesse entendendo. Um bruto! Saímos rápidos de lá. Humberto carregou o primo, da maca do consultório até o carro. Ah, Humberto! Para nós sempre foi um irmão. A boa vontade, a energia do primo se casavam com o carinho que tinha por nós e nós por ele!. Estava sempre pronto para nos ajudar. E sempre com alegria. Para mim, Humberto foi o mais irmão que um primo possa ser. E acho que o mesmo para todos os meus irmãos. Voltamos e o Humberto e Nassib fazendo o possível para desanuviar o clima, mas o Labib e eu acabados de tristeza , sem conseguir fingir. Ah, e Wilson sabia tudo, entendia tudo, sofria mais por isto.
Nesta época, eu lecionava no Morais Pacheco, de manhã e à tarde. Quando chegava a nossa casa, minha mãe nem me deixava sair do carro.
-- Sônia, por favor, leve este jantar para seu irmão.
Era duro ver o Wilson naquela situação. Matil estava sempre serena, forte, sem queixar-se do destino. Eu sofria por ver aquele irmão, que fora tão forte, que tivera um físico invejável, reduzido àquela fraqueza e imobilidade. Se eu sofri, como deve ter sofrido minha mãe, que sempre o protegera, por seu gênio diferente , insubmisso, indomável.! Como deve ter sofrido Matil! Wilson viu, dia a dia, seu cuidado corpo se enfraquecer. Viu as primeiras negativas de seus músculos tão treinados! Acompanhou o definhar de seu físico com uma força interior insuspeitável, inimaginável. Suportou a privação dos movimentos, a ausência da fala! Wilson se santificou em vida. Ninguém poderia imaginar, ninguém poderia sequer pensar que aquele que fora tão urgente, tão indomável, tão insubmisso, tão liberto, fosse aceitar provação tamanha! Prisão tamanha! Sem uma queixa. Só o vi chorar uma vez! Como dói até hoje essa lembrança! No mais, parecia que ele é quem nos consolava.
Nassib, nesses tempos terríveis em que a doença ia-se apoderando do corpo do irmão, foi quase um pai. Claudicando, com a perna sempre o arrastando à dor, não se deixava vencer e quase todos os dias ia ver o irmão. E sempre levava algum prato que a Jeannete preparara para o jantar. Não havia o que ele não tentasse para ver o irmão restabelecido
Rezávamos, líamos,fazíamos promessas. Nada surtia efeito. A doença galopando. Até pessoal de umbanda chamamos em casa para rezar por ele. A umbandista andava sobre as brasas vermelhas e, tomada por algum espírito (ou representando) repetia frases que não nos davam nenhuma esperança.
Depois de alguns anos de casados, quando Ito e Matil já tinham seus filhos, Wilson levou um choque, quando mexia numa antena de televisão. A partir daí, seu corpo foi enfraquecendo, seus músculos se deteriorando, até o momento terrível dos seus últimos meses de vida, em que só mexia os olhos. E com os olhos ele se comunicava. Ai! a dor de ver que o que ele fizera de melhor, a educação de seu corpo à perfeição, esboroava-se a olhos vistos. Um consolo: a lucidez ele manteve sempre.
Uma vez, nós o levamos a Ribeirão Preto: Labib, Nassib, Humberto, Wílson e eu. O médico examinou o Wilson e começou a dar o diagnóstico terrível, como se o paciente não o estivesse entendendo. Um bruto! Saímos rápidos de lá. Humberto carregou o primo, da maca do consultório até o carro. Ah, Humberto! Para nós sempre foi um irmão. A boa vontade, a energia do primo se casavam com o carinho que tinha por nós e nós por ele!. Estava sempre pronto para nos ajudar. E sempre com alegria. Para mim, Humberto foi o mais irmão que um primo possa ser. E acho que o mesmo para todos os meus irmãos. Voltamos e o Humberto e Nassib fazendo o possível para desanuviar o clima, mas o Labib e eu acabados de tristeza , sem conseguir fingir. Ah, e Wilson sabia tudo, entendia tudo, sofria mais por isto.
Nesta época, eu lecionava no Morais Pacheco, de manhã e à tarde. Quando chegava a nossa casa, minha mãe nem me deixava sair do carro.
-- Sônia, por favor, leve este jantar para seu irmão.
Era duro ver o Wilson naquela situação. Matil estava sempre serena, forte, sem queixar-se do destino. Eu sofria por ver aquele irmão, que fora tão forte, que tivera um físico invejável, reduzido àquela fraqueza e imobilidade. Se eu sofri, como deve ter sofrido minha mãe, que sempre o protegera, por seu gênio diferente , insubmisso, indomável.! Como deve ter sofrido Matil! Wilson viu, dia a dia, seu cuidado corpo se enfraquecer. Viu as primeiras negativas de seus músculos tão treinados! Acompanhou o definhar de seu físico com uma força interior insuspeitável, inimaginável. Suportou a privação dos movimentos, a ausência da fala! Wilson se santificou em vida. Ninguém poderia imaginar, ninguém poderia sequer pensar que aquele que fora tão urgente, tão indomável, tão insubmisso, tão liberto, fosse aceitar provação tamanha! Prisão tamanha! Sem uma queixa. Só o vi chorar uma vez! Como dói até hoje essa lembrança! No mais, parecia que ele é quem nos consolava.
Nassib, nesses tempos terríveis em que a doença ia-se apoderando do corpo do irmão, foi quase um pai. Claudicando, com a perna sempre o arrastando à dor, não se deixava vencer e quase todos os dias ia ver o irmão. E sempre levava algum prato que a Jeannete preparara para o jantar. Não havia o que ele não tentasse para ver o irmão restabelecido
Rezávamos, líamos,fazíamos promessas. Nada surtia efeito. A doença galopando. Até pessoal de umbanda chamamos em casa para rezar por ele. A umbandista andava sobre as brasas vermelhas e, tomada por algum espírito (ou representando) repetia frases que não nos davam nenhuma esperança.
Não fui
a melhor irmã pra ele. Talvez tenha sido a Renée, com sua tolerância, calor humano e
aceitação.Ou a Alice, com sua sabedoria e compaixão. Ou a Nilce, com suas provisões. Ou a Norma, com suas narrações divertidas Eu só inventei um alfabeto com que ele pudesse se comunicar, através de piscadelas
Todos o amavam, e sofriam com ele.
Este meu irmão era pra ter nascido nestes tempos de hoje. Personal trainer, atleta, aventureiro, especialista em pets, espiritualista, chef, enxadrista, cuidador, tanta coisa. Em nosso tempo, estava um pouco perdido. Sim, o tempo dele deveria ter sido agora. Mil caminhos de sucesso. Mil estradas de realização.
Wilson foi embora antes de completar quarenta anos. Foi a primeira
perda na família. O Nassib chorava:
-- Sônia,
já não somos nove!.
Stella, Yolande e Júnior muito cedo, se viram órfãos de pai. Ele nunca os abandonaria, se pudesse escolher. Que a força do Wilson invada suas vidas e as aperfeiçoe e os faça progredir no sentido da felicidade e autorrealização..
Stella, Yolande e Júnior muito cedo, se viram órfãos de pai. Ele nunca os abandonaria, se pudesse escolher. Que a força do Wilson invada suas vidas e as aperfeiçoe e os faça progredir no sentido da felicidade e autorrealização..
Matil, você foi heroica em suportar aqueles dois anos de doença, e doença cruel que escolheu seu marido. Uma cruz pesada demais para ele, mas que você ajudou a carregar, tornando-a mais leve, com seu jeito calmo e forte. Tanto que até os últimos dias, Wilson assistia a jogos pela TV, torcendo caladamente por seu time do coração: Santos Futebol Clube.
Wilson, meu querido Ito, você foi um espírito independente desde sempre, insubmisso, insubordinado, um visionário. Pra tudo você queria urgência! Tinha sempre pressa. Você talvez já vislumbrasse que seu tempo era curto para tudo que você poderia e queria fazer. Para você não existiam diferenças de cor, de raça, de nível social, de credo religioso. Espírito liberto de grilhões que acapacham a mente e a alma, lembrar você é sentir a força da juventude, o encanto e o mistério de uma personalidade que não se dobrava nem à força, nem à autoridade: Mas que se rendeu conformado ao desígnio de Deus.
Wílson, cem por cento sinceridade. Cem por cento valentia! Cem por cento verdade! Cem por cento coragem!
Wilson. Cem por cento coração!
Wilson, meu querido Ito, você foi um espírito independente desde sempre, insubmisso, insubordinado, um visionário. Pra tudo você queria urgência! Tinha sempre pressa. Você talvez já vislumbrasse que seu tempo era curto para tudo que você poderia e queria fazer. Para você não existiam diferenças de cor, de raça, de nível social, de credo religioso. Espírito liberto de grilhões que acapacham a mente e a alma, lembrar você é sentir a força da juventude, o encanto e o mistério de uma personalidade que não se dobrava nem à força, nem à autoridade: Mas que se rendeu conformado ao desígnio de Deus.
Wílson, cem por cento sinceridade. Cem por cento valentia! Cem por cento verdade! Cem por cento coragem!
Wilson. Cem por cento coração!