quinta-feira, 31 de março de 2016

39 - Fafil querida!

Colegio São José Av Rodrigues Alves Centro Bauru SP







(Neste local, em pleno centro de Bauru, na Avenida Rodrigues Alves, neste lindo edifício histórico, hoje do Colégio São José, funcionou, em seus primeiros anos, a FAFIL) Foto do Google, muito apressada. Poderiam esperar o ônibus sair da frente..

39 -  FAFIL: FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

          Terminado o Curso Clássico, Mari e eu prestamos as provas vestibulares na FAFIL, como era popularmente conhecida aquela que, anos mais tarde, se tornaria a poderosa USC
          Seríamos a terceira turma da escola que as laboriosas freiras fundavam em Bauru.


          O pior desse momento é que não compartilháramos uma com a outra nosso sonho de cursar Direito. Naquela época, poucas meninas se atreviam a fazer o curso. Ficamos inibidas e, muito novinhas, tivemos vergonha de tentar o que mais queríamos. Só de pensar na multidão de homens com quem teríamos que estudar - eram 499 homens para uma garota entre os estudantes de advocacia -  nós acabamos por desistir. Enfim, muitos anos se passaramaté que, há poucos anos, soubéssemos que nós duas juntas poderíamos ter enfrentado a coorte masculina.
         Logicamente fomos aprovadas no Vestibular da Fafil. Só que Mari escolhera Letras Anglo Germânicas e eu Letras Neo-Latinas.
                O prédio era antigo, com salas amplas, e, seguindo o padrão do Colégio São José, tudo brilhando, mesmo no assoalho antigo e nas portas e janelas altas. Havia pátio e era tão grande, que, nos intervalos, muitas vezes nos sentávamos sob as árvores, no chão gramado. Doces lembranças!
                Tínhamos, Mari e eu,  muitas disciplinas em comum: Língua e Filologia Portuguesa, Literatura Portuguesa, Latim, Teologia, Filosofia  E, mais tarde, a maior parte das didáticas.
               Dos professores que marcaram nossa vida universitária, ressalto as maravilhosas aulas de Literatura Portuguesa, com o então Frei Roberto ( deixou de ser Frei) as nutritivas aulas de Latim, com o Professor Aníbal Campi, (chamo de nutritivas porque eram cheias de substância, alimentavam o intelecto), as  exposições de Filologia Portuguesa, com o Professor Retz, por quem tínhamos fascinação, mercê de seu estilo sarcástico, e, sem dúvida, a Didaticae Mater, Irmã Arminda Sbrissia, que nos deu, no primeiro ano, aulas de Língua e Literatura Italianas.
          Irmã Arminda era a reitora da Faculdade e, nesses primeiros tempos, exercia a função de professora de Italiano. Como a Faculdade estivesse se organizando, toda a vez que a Irmã Arminda estava conosco, em seu mister de professora, aparecia alguma freirinha para chamá-la a fim de  resolver algum problema na secretaria.  A Irmã querida tinha sempre um ar de surpresa com essas intervenções e interrupções à aula, volvia o olhar sereno e confiante sobre nós, passava duas ou mais páginas do livro pra que as estudássemos, e partia, sem olhar pra trás. E assim foi o ano todo.
           No ano seguinte, impossível que ela pudesse continuar naquela maratona. por isso contratou um vice-cônsul italiano como professor de Língua e Literatura Italianas. Era Ubaldo Chiappa, que só falava italiano, recém-chegado ao Brasil. Ó milagre dos céus. Quando ele começou a falar, nós o entendemos perfeitamente. Tínhamos tido Irmã Arminda! Inspirada e inspiradora!
           No primeiro ano da Faculdade, conheci  colegas que seriam pra sempre do meu coração. Jussemy Aguiar Monteiro, Júlia de Campos Fraga. Com Mari, tornamo-nos inseparáveis. Juntaram-se a nós  Olinda do Prado, figura elegantíssima e bela, que morava em Lençóis,  Sylvia, de voz de mel, Cynira, moreninha de estatura baixa, linda, que não usava nenhum tipo de maquiagem.  Entre os homens, José Romão , Sr Machado, Sílvio e  Célio, que também era de Lencóis. Nenhuma de nós entendeu como Olinda namorou o Célio. Enigma pra todo o sempre. Vamos dizer, ele não era nenhum Adônis e, intelectualmente, não se destacava nas conversas nem nas aulas. Enfim "le coeur a ses raisons que la raison ne connaît point" Havia ainda outros colegas inesquecíveis: Ivete Soares, Daisy Massad.   Um colega simpático mas que não era muito assíduo às aulas era o  Sílvio. As classes eram pequenas. Da turma de Anglo havia a Zélia, excêntrica, com ideia fixa de morar na Europa. E está lá até hoje, casada com alemão, lecionando em universidades de Berlim.
       Havia o Professor Benedito, que, no ano seguinte, assumiria as aulas de Literatura Brasileira. E Leda, professora de Língua e  Literatura Francesas, figurinha carioca que nos conquistou. Havia ainda aulas de Literatura Italiana (Ubaldo), Teologia :Padre Leopoldo, depois Padre Huberto, depois Padre Natal. (Nossa!  Alguma coisa está errada no reino da Dinamarca. Fui aluna, na Fafil, de cinco maravilhosos religiosos e quatro deles abandonaram o hábito. A começar pelos queridos Roberto, Huberto, e lembrando  Álvaro e  Natal. Sem contar o Padre tão admirado que celebrou tantos casamentos, inclusive o meu, e que, certa feita, até pediu socorro de orações aos fiéis, porque estava sofrendo forte tentação. Como é difícil ser feliz! As orações não foram fortes suficientemente).
          No intervalo das aulas, ou nossa patota ia até a Padaria Central, cujas empadinhas eram consideradas paradisíacas, ou ficávamos na esquina da Avenida Rodrigues Alves, jogando conversa fora e nos assustando com a quantidade de irmãos que me mandavam sair da esquina. Cada hora passava um com um carro.  Jussemy contou dez irmãos! Só que ela nem sabia que meus manos eram só quatro e tinham agência de carros. Hahahá! Mas eu não apreciava aqueles olhares zangados que os irmãos me lançavam. Ficar na esquina conversando, que coisa vulgar! Verdade seja dita: Labib era o único que não me mandava sair de lá e cumprimentava minhas amigas.
          Nem  sei como é que fui adotada por essas colegas. Como já expliquei, era eu fortemente tímida na época. Some-se a esse bloqueio a sem gracice e vocês terão meu retrato inteiro. A primeira a se ocupar comigo foi a Jussemy. Quisesse ou não, era obrigada a ir com ela à Lalai, onde patotas diferentes se reuniam. Eu era o próprio peixe fora d'água. Entrava muda, saía calada. A única a perceber meu desconforto foi ela, a instigadora desses passeios juvenis. Olhava-me, com compreensão e dizia a meia voz:
          -- Lamartine é mais divertido, não é, Sônia? Eu, quase engasgada com o peso dessa sociabilidade obrigatória, anuía, sem forças pra proferir uma palavra, com vontade absurda de cair em lágrimas. Bem por aqueles dias, decorara uns versos de Lamartine:" Un seul être vous manque et tout est depeuplé". Jussemy, como você botou o dedo sem dó na ferida? Putz! Sempre fui um livro escancarado para você! Pois estava, naquele momento, pensando nos versos! Amiga pitonisa.
          Mas se eu pensasse que todo meu desajuste iria comover minha líder, enganar-me-ia totalmente. Aonde ela ia eu tinha que ir junto. E esses convites eram tão delicados que eu seria muito estúpida e grosseira se os recusasse. E assim começou a processar-se minha socialização. Para se ter uma ideia: eu ia à padaria com a turma e nunca comi uma empadinha. De timidez. Realmente, eu era quase um caso perdido. No colegial, as amizades eram restritas ao colégio e às obrigações escolares. E havia a Mari, é verdade. Mas, na época, nem saíamos juntas pro cinema ou algum baile. Atividades que eu tinha com a Norma. Então foi um bocado difícil, mas consegui sair do meu pequeno mundo. E, pouco a pouco, cinemas, bailes, Lalai, mais tarde Capristor faziam parte de um mundo comum com minhas amigas.

          A Faculdade transcorreu maravilhosamente. E, se tivesse que começar algum outro curso, se a roda do tempo voltasse, seria esse mesmo estudo que eu escolheria, com as mesmas colegas. mas talvez preferisse modestamente a Sorbonne! (Sonhar sempre foi meu forte).

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